“Todos os meses, ao receber o salário a ser depositado em sua conta pelo setor responsável da Câmara Municipal, Ivanilde deveria repassar quantia considerável da respectiva remuneração, sacando a quantia de R$ 3.000,00 (três mil reais) dos quase R$ 8.000,00 (oito mil reais) que lhe seriam devidos pelos serviços prestados, transferindo o dinheiro em espécie, em mãos e pessoalmente, para a irmã do seu chefe – proceder esse que visava, a um só tempo, impedir ou pelo menos dificultar o eventual rastreamento dos valores, além de obstar a reunião de provas incriminatórias vinculando o parlamentar a tal esquema”.
O trecho, retirado dos autos digitais de um documento de denúncia do Ministério Público do Estado de São Paulo, de autoria do promotor de Justiça auxiliar, Paulo César Souza Assef, aponta para o esquema de rachadinha no gabinete do vereador Sérgio Luiz Zerbinato (PSB), no período de janeiro a agosto de 2021, na Casa de Leis do município de Ribeirão Preto.
No texto de Direito, datado em 21 de julho de 2023, Zerbinato é denunciado pelos crimes de associação criminosa e corrupção passiva majorada em continuidade delitiva. Além do político municipal, duas outras pessoas também foram denunciadas pelo jurídico. São elas: Dalila Zerbinato Kinchin e Jorge Luiz de Andrade. Os nomes são relacionados aos crimes de associação criminosa e corrupção passiva em continuidade delitiva, por parte de Dalila, e receptação simples, por parte de Andrade.
“Também no decorrer dos diálogos, quando aquela manifestou preocupação na ocasional descoberta do esquema criminoso, o parlamentar agora denunciado respondeu que “ninguém tem como provar” e que apenas sabiam do corrupto engendro “eu, você e minha irmã”, destaca o MP.
Com provas telefônicas e extratos financeiros, o documento, enviado para a 1ª Vara Criminal Da Comarca De Ribeirão Preto, ainda indica a prática de nepotismo na nomeação de Dalila para o comando do gabinete do vereador na Câmara, tendo em vista o grau parentesco com o político eleito. O terceiro nome do documento também possui relação familiar indireta com Zerbinato. Jorge Luiz, como aponta o texto, mantém relação amorosa com Dalila há duas décadas.
Formalmente inquiridos, ainda conforme indica o documento do MP-SP, todos rechaçaram a prática dos crimes. Zerbinato declarou que “Nunca solicitou a Ivanilde que ela repassasse três mil reais ou qualquer outro valor que seja para sua irmã Dalila ou o amasiado dela, Jorge”, bem como, ao ser indagado acerca dos áudios veiculados, que “que nunca teve esses diálogos com Ivanilde, e que tem convicção de que se tratam de um ‘deepfake’, ou seja, fizeram uma montagem com sua voz em programas especiais para dar a impressão de que o diálogo tivesse sido mantido” por ele.
Jorge confirmou ser convivente da irmã do vereador há 19 anos e também que recebeu um depósito em sua conta bancária, realizado por Ivanilde, e que, ao perguntar à companheira, ela respondeu que se tratava de “um valor decorrente de uma assessoria administrativa que havia feito para a abertura de uma escola”, sendo o dinheiro “utilizado para o pagamento das contas de casa”.
Por fim, Dalila afirmou que, à exceção da quantia de R$ 1.200,00 (mil e duzentos reais) depositada na conta bancária de seu convivente, referente a um serviço de “assessoria” que prestou à ex-assessora do seu irmão para a “abertura de uma escola de recreação infantil”, não recebeu “outros valores provenientes de Ivanilde, seja em conta ou em espécie”.
Comissão de Ética e Decoro Parlamentar
Presidente da Comissão de Ética e Decoro Parlamentar da Câmara de Ribeirão Preto, o vereador André Trindade (União Brasil) afirmou ter assumido o conselho em fevereiro deste ano, e, desde então, segundo o político, nenhuma deliberação foi solicitada.
“Eu assumi o conselho de ética em fevereiro deste ano. Desde então não foi demandada matéria de deliberação no conselho de ética neste período”, afirmou o vereador.
Igor Oliveira (MDB), Isaac Antunes (PL), Alessandro Maraca (MDB) e André Rodini (Novo) também são membros da Comissão e foram questionados sobre a decisão do Ministério Público, mas os políticos não se manifestaram a respeito da denúncia.
Outro lado
Na íntegra, confira a nota divulgada pela defesa do vereador Sérgio Luiz Zerbinato:
“A defesa do vereador Zerbinato, afirma que fez todos os apontamentos necessários para esclareces os fatos apresentados na acusação, e que desde o princípio o vereador tem se posicionado de forma colaborativa com a justiça.
O vereador reafirma sua inocência diante das acusações.
É importante destacar alguns pontos levantados pela defesa. Como os que seguem:
– O Ministério Público se nega a verificar a autenticidade dos áudios, mesmo após o Zerbinato afirmar que não foi o interlocutor e que acredita se tratar de DEEPFAKE;
– Ao invés de apreender o celular da Ivanilde e determinar a perícia completa, optou por simplesmente transcrever áudios que não se sabem se foram como foram produzidos, enquanto isso, o telefone que demorou quase uma semana para aparecer na delegacia, segue nas ruas, sem sabermos se é realmente o telefone de Ivanilde ou se foi o telefone dela que foi apresentado na delegacia;
– Não se sabe a data dos arquivos dos supostos áudios;
– A Thathi, noticiou a acusação em 2021, afirmando que eram quase duas horas de gravação e somente foi apresentado menos de 1h:25min;
– O vereador Zerbinato afirma categoricamente que não participou destes áudios ou de diálogos com este conteúdo com a Sra Ivanilde, e, de outro lado, o Ministério Público se nega a pedir Perícia dos arquivos para comprovação da fraude ainda na fase policial, diminuindo a exposição do vereador e encerrando mais rapidamente, pior, optou por denunciar e pedir afastamento do cargo de vereador;
– A defesa já insistiu no retorno da investigação, contudo o MP não concorda, não encontrando motivo plausível para se negar!!!
– A Sra Ivanilde fez acordo com o MP de não responder à processo pelas autoacusações, com a condição de doar sangue, que absurdo!!!
– Todos os assessores já abriram mão no passado do sigilo bancário, e colaboraram com o processo”, disse.
O Partido Socialista Brasileiro também foi questionado sobre tal acusação, mas a solicitação não foi respondida até o fechamento do texto.
O caso
Zerbinato foi acusado pela ex-assessora Ivanilde de coordenar um esquema de rachadinha para beneficiar a irmã, que exercia extraoficialmente o comando do gabinete do vereador na Câmara. À época, a reportagem teve acesso a mais de duas horas de gravação de conversas do parlamentar com a ex-assessora nas quais ele discute abertamente a forma de devolução do dinheiro.
Os recursos eram devolvidos tanto em dinheiro vivo quanto na forma de pagamento de boletos e contas gerais. Em pelo menos duas ocasiões, houve depósitos feitos diretamente da conta de Ivanilde para a conta da irmã de Zerbinato. Ele tenta definir, ainda, um prazo para que o repasse dos recursos fosse feito para a irmã, dando dois dias, depois do pagamento, para que os recursos fossem repassados.
Na gravação, o vereador chega a informar que Ivanilde não seria prejudicada, já que “ninguém tem como provar” o esquema arquitetado por ele. Ele chega, ainda, a demitir a assessora, oferecendo a ela R$ 1 mil, teoricamente de sua própria remuneração, para “manter a amizade” com ela.
Depois da denúncia, feita com exclusividade pelo THMais Ribeirão Preto, de que o parlamentar recebia R$ 3 mil de uma assessora, dinheiro que seria revertido para a irmã dele, Dalila Zerbinato, a ex-assessora parlamentar Renata Benedicto afirmou, nas redes sociais, que também recebeu proposta do vereador para trabalhar nesse mesmo esquema.
Ela seria nomeada como assessora parlamentar – o menor salário para assessoria é de R$ 5,9 mil e o maior, R$ 7,9 mil, mas teria que devolver parte dos recursos para o parlamentar, dinheiro que seria utilizada para pagar outras pessoas, em esquema idêntico ao denunciado pela ex-assessora Ivanilde Ribeiro Rodrigues.
Segundo Renata, que foi assessora do ex-vereador Luciano Mega (PDT) na última legislatura, Zerbinato a chamou para conversar, na época da campanha, e ofereceu a ela uma vaga no gabinete. “O Sérgio Zerbinato fez essa proposta pra mim na época da campanha e eu recusei veementemente e o aconselhei a esquecer essa idéia”, disse Renata, nas redes sociais. Ainda segundo ela, o vereador disse textualmente que ela precisaria devolver o dinheiro.