SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O Ministério Público de São Paulo, um dos órgãos responsáveis pela investigação das 16 mortes durante a Operação Escudo, em Guarujá e Santos, no litoral paulista, se calou diante da informação de que menos da metade dessas ocorrências de homicídio foram registradas por câmeras acopladas aos uniformes dos policiais militares.
A reportagem tenta um pronunciamento da Promotoria desde a noite desta segunda (7), mas sem retorno. Em um primeiro momento, após pedido por e-mail, não houve resposta.
Em uma segunda tentativa, novamente por e-mail, na manhã desta terça (8), a reportagem solicitou entrevista com o procurador-geral Mario Luiz Sarrubbo –ou com outro promotor envolvido com a apuração–, para falar de que maneiras a ausência de câmeras prejudica a investigação. A resposta foi a de que o órgão “não está concedendo entrevistas”.
No domingo (6), a Promotoria publicou em seu portal uma nota em que confirmou ter recebido imagens gravadas pelas câmeras corporais utilizadas pelos PMs. Disse ainda que aguardava o envio de outros dados e que a Polícia Militar colaborava para o esclarecimento dos fatos.
Imagens de sete ocorrências foram enviadas ao Ministério Público. Segundo a SSP (Secretaria da Segurança Pública), das 16 ocorrências letais, 6 envolveram policiais de batalhões que não dispõem desse tipo de equipamento. Ainda segundo a pasta, em outros três casos houve falhas nas câmeras ou na decodificação dos arquivos. Não há, portanto, gravações disponíveis de 9 dos 16 homicídios.
A informação que apenas sete dos casos têm imagens disponíveis foi publicada inicialmente pela CNN e depois confirmada pela SSP.
De acordo com o coronel da PM Pedro Lopes, chefe da assessoria militar da SSP do governo Tarcísio de Freitas (Republicanos), todos os pedidos feitos pelo Ministério Público foram atendidos.
“Tenho notícia de que em uma ocorrência dessas uma das câmeras estava sem bateria no momento”, afirmou, sem dar mais detalhes do problema. “Se estava funcionando plenamente no confronto está sendo apurado em cada investigação. Não vou falar sobre isso porque seria leviano.”
Sobre os outros casos em que as gravações não foram disponibilizadas à Promotoria, o coronel disse que há problemas técnicos que impedem a leitura. “Falamos no fim de semana com o MP sobre o protocolo, eles têm acesso ao link. Há, por conta de linguagem de informação, alguma que não foi propriamente lida.”
A SSP afirma que as imagens captadas por câmera corporal ficam armazenadas em uma plataforma cujos acessos, respeitada a cadeia de custódia, são feitos pelas autoridades de Polícia Judiciária, Ministério Público e Judiciário.
Organizações como a Ouvidoria da Polícia, a Defensoria Pública e o Condepe (Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana) ainda aguardam respostas sobre o pedido de acesso às gravações.
Para o ouvidor Cláudio Aparecido da Silva, não há transparência na apuração. “Se a operação foi técnica, legalista e a contento, qual a razão de não haver transparência? Por que a transparência também não é uma coisa que possa colaborar para que essa legalidade seja homologada?”, indagou.
Presidente do Condepe, entidade ligada à Secretaria da Justiça e Cidadania, Dimitri Sales também aponta falta de transparência.
“As denúncias do Condepe em relação ao uso das câmeras foram confirmadas. Os policiais, na sua grande maioria, não estavam utilizando as câmeras. A novidade, agora, é que a Secretaria da Segurança disse que não sabe se todas as câmeras estavam funcionando. O que eu estou questionando é: qual o critério para saber se todas as câmeras estavam funcionando ou não?”
Na avaliação de Sales, o Ministério Público deveria exigir as imagens de todas as câmeras de segurança, “para que possa trabalhar sobre elas e não ficar na mão da PM e da Secretaria da Segurança Pública”.
A Polícia Militar paulista adquiriu mais de 10 mil câmeras, com uma abrangência de 52% das unidades policiais.
Durante a campanha eleitoral, Tarcísio chegou a defender a retirada das câmeras dos uniformes dos PMs porque, segundo disse na ocasião, o equipamento limitaria a atuação dos oficiais. A medida foi uma das principais bandeiras na área de segurança pública de seu antecessor, João Doria (sem partido).
Pouco antes das eleições, contudo, Tarcísio recuou e disse que ouviria especialistas sobre o assunto. Estudos apontam queda da letalidade policial em batalhões que adotaram as câmeras.
Em pronunciamentos oficiais, Tarcísio defendeu o trabalho da polícia na Baixada Santista e negou acusações de que houve abuso durante a operação. “Fica sempre essa narrativa de que há excesso. Vai ver quem tombou. O líder do PCC morreu nessa confusão. O principal fornecedor de drogas da Baixada. E por quê? Como que ele recebeu os policiais? Se tiver confronto, vai ter reação. A polícia tá lá pra isso. Ela não pode se acovardar”, disse o governador no dia 1º.
A SSP argumenta ainda que a gravação da câmera corporal não é o único elemento do conjunto probatório de inquéritos de morte por intervenção policial, ao qual se somam perícia, oitivas de testemunhas e coleta de provas diversas.
As mortes da Operação Escudo ocorreram em supostos confrontos entre PMs e criminosos entre os dias 28 de julho e 2 de agosto. A operação na Baixada Santista teve início após o assassinato do soldado da Rota (Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar) Patrick Bastos Reis, 30. O policial foi atingido por um tiro na noite de 27 de julho, na Vila Zilda, periferia de Guarujá. Três homens foram presos e indiciados por suspeita de envolvimento no homicídio.
Além das apurações a cargo da Polícia Civil, um Inquérito Policial Militar foi aberto para analisar os fatos. Segundo o coronel Lopes, da PM, perícias feitas até o momento não indicaram possíveis abusos ou prática de tortura. “Nenhum dos laudos periciais produzidos a partir da análise dos corpos apontou que houve lesão anterior ao confronto.”
Uma das 16 pessoas que morreram durante a operação foi enterrada como indigente.
Segundo a SSP, a Polícia Científica não obteve êxito na identificação do corpo. Os profissionais do IML (Instituto Médico Legal), então, extraíram materiais genéticos e dactiloscópicos na tentativa de uma identificação futura do homem, por meio de confronto de DNA.
O sepultamento foi realizado com base em portaria da Polícia Civil de 1993 que autoriza o enterro de pessoas não identificadas após o prazo de 72 horas da chegada ao IML. Segundo a Prefeitura de Guarujá, uma pessoa desconhecida foi enterrada no dia 3 de agosto no cemitério de Morrinhos.
PAULO EDUARDO DIAS E TULIO KRUSE / Folhapress