BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – O CNJ (Conselho Nacional de Justiça) arquivou, nesta terça-feira (8), o procedimento aberto contra a juíza Inês Marchalek Zarpelon, da 1ª Vara Criminal de Curitiba, acusada de racismo por associar um réu negro a uma organização criminosa “em razão de sua raça”.
Por 9 votos a 2, os conselheiros avaliaram que a magistrada não aumentou a pena do réu pelo fato de ele ser negro e que a sua postura não foi discriminatória.
A maioria do conselho seguiu o voto do relator, o corregedor-nacional de Justiça, Luis Felipe Salomão. Ele avaliou que a juíza pode ter sido infeliz e descuidada no trecho utilizado em sua sentença, mas não inferiu qualquer tipo de preconceito.
Inês escreveu que Natan Vieira da Paz, um homem negro de 48 anos, “seguramente” integrava a organização, “em razão de sua raça”. A frase foi repetida em três partes do documento de 115 páginas.
A decisão ganhou repercussão com a revolta da advogada do réu, Thayse Pozzobon, que compartilhou o caso nas redes sociais.
No trecho destacado por Thayse, consta que Inês escreveu que Natan “seria seguramente integrante do grupo criminoso, em razão de sua raça, agia de forma extremamente discreta os delitos e seu comportamento”.
Salomão afirmou que a raça não foi usada pela juíza como elemento de convicção para a condenação do réu, mas sim o teor das provas colhidas no processo, como imagens de câmeras, interceptações telefônicas e depoimentos.
“Gera ambiguidade se a colocação do trecho está ligada à expressão anterior ou à oração seguinte. É uma locução infeliz, desnecessária, mas não houve conotação discriminatória”, disse Salomão.
O conselheiro Mário Maia, porém, divergiu levantando a questão que a menção à raça talvez não fosse feita se o réu fosse branco. Além disso, afirmou que a conduta da juíza não observou o mínimo de cautela necessária que deve ter um magistrado.
Ele defendeu a abertura de um processo administrativo contra Inês e o afastamento de suas funções, mas foi voto vencido.
Em 2020, a corregedoria-geral do Tribunal de Justiça do Paraná (TJPR) também decidiu arquivar uma reclamação disciplinar contra a juíza. Por unanimidade, os 23 desembargadores do Órgão Especial da corte estadual concluíram não haver intenção discriminatória ou racista por parte da magistrada.
Os magistrados avaliaram que tudo não passou de um erro de português e de interpretação da sentença, tal como alegou a defesa da juíza em sustentação.
Francisco Zardo, defensor da juíza, afirmou que o trecho em questão se refere ao que se escreveu depois, e não antes, da frase.
Ele disse que Inês citou o fator raça para descrever a conduta discreta que ele mantinha para cometer os crimes em grupo, remetendo a conclusões de depoimentos, imagens de câmeras de segurança e outras provas colhidas durante a investigação.
Zardo citou ainda outras partes da sentença em que se constatou que o próprio grupo criminoso, composto por outras seis pessoas, utilizava características físicas de cada integrante para enganar vítimas e praticar furtos e roubos no centro de Curitiba.
Na ocasião, a juíza divulgou uma nota, por meio da Associação dos Magistrados do Paraná (Amapar), pedindo desculpas pelo ocorrido. Ela afirmou que a sua frase foi “retirada de um contexto maior” e que a cor da pele do réu não foi levada em consideração para condená-lo.
“Em nenhum momento a cor foi utilizada -e nem poderia– como fator para concluir, como base da fundamentação da sentença, que o acusado pertence a uma organização criminosa. A avaliação é sempre feita com base em provas”, disse
“Reafirmo que a cor da pele de um ser humano jamais serviu ou servirá de argumento ou fundamento para a tomada de decisões judiciais. O racismo é prática intolerável em qualquer civilização e não condiz com os valores que defendo”, afirmou na nota.
CONSTANÇA REZENDE / Folhapress