FOLHAPRESS – O cartaz de “Asteroid City” adianta bem o tom do novo filme de Wes Anderson. Mais de 30 atores sentados posam para uma foto numa cratera. No céu azulado, em tons berrantes que rementem à estética dos anos 1960, há uma lista de 21 nomes, todos no mesmo tamanho.
Quem é a estrela da vez? Jason Schwartzman, Scarlett Johansson ou Tom Hanks? Quem irá nos conduzir por essa história, sobre um grupo de pessoas que ficam isoladas na cidade-título após uma visita alienígena que, na verdade, é uma encenação teatral, representada no filme como um programa de TV?
O elenco é enorme, como de qualquer filme hollywoodiano. A diferença é que mesmo os coadjuvantes são fartamente conhecidos.
Isso incomoda alguns espectadores: por que Margot Robbie (a Barbie!) tem só dois minutos de tela? E por que Steve Carrell, o gênio de “The Office”, na sua estreia com Anderson, é apenas um gerente de hotel sem graça?
Bryan Cranston é um locutor, Liev Schreiber, o pai de um nerd pentelho, Edward Norton, um dramaturgo beberrão etc. Mesmo Tom Hanks, com alguns minutos de tela, é apenas o sogro do personagem de Schwartzman, um fotógrafo de guerra, niilista e sensível, que não consegue contar aos filhos sobre a morte da mãe deles, e que se apaixona pela superstar vivida por Johansson.
Mas esse é o jogo do cineasta. Afinal, qualquer ator saliva por uma ponta em seus filmes. Por que Anderson não deveria transformar esses talentos em suas marionetes? Felizmente, a maioria delas consegue assumir um significado simbólico, ainda que pequeno, mas que se complementa no conjunto.
Mais que o “Barbie” de Greta Gerwig, Wes Anderson tem feito de seus últimos trabalhos uma grande casa de bonecas, com as quais brinca de criar histórias. E histórias dentro de histórias, normalmente de tom depressivo e existencial, a exemplo das subtramas com os jovens apaixonados por física e astronomia, ou as crises do ator que interpreta o fotógrafo.
São, como em “Moonrise Kingdom” ou “Três É Demais”, movimentos espelhados, em que os dramas dos adolescentes e dos adultos convergem na busca pelo sentido da vida.
Dentro disso, há planos e geometrias num filme divido em atos e cenas, como uma peça, e que também pausa a narrativa principal (em cores) para observar os ensaios e bastidores da apresentação (em preto e branco). Nesse meio, pipocam pequenas narrativas e gags que surgem de um silêncio, de um leve movimento de câmera, de um estouro, do constrangimento.
Há do pastelão de Jerry Lewis ao humor inocente de Jacques Tati sobretudo em seu filme anterior, “A Crônica Francesa”, uma volta à boa forma depois do sofrido “Ilha de Cachorros”.
Frente a “O Grande Hotel Budapeste”, sua maior realização, “Asteroid City” tem uma construção mais desconjuntada não flui como o longa de 2014, quase uma sinfonia graças ao timing cômico e pela trama frenética inspirada no universo literário-biográfico de Stefan Zweig. Dessa vez, há mais o clima absurdo de de um “Papa-Léguas e Coiote”, com toques de mistério e da ironia de “Marte Ataca!”.
Ao contrário do que parte da crítica apontou em Cannes, onde o filme não foi tão bem recebido, isso não parece sintoma do esgotamento de uma fórmula. Na verdade, a mise en scène de “Asteroid City” se arrisca ao mergulhar numa obsessão formal.
E não se pode dizer que Anderson não quer localizar seu espectador, vide o prólogo narrativo em que, ponto a ponto, somos apresentados a todos os elementos da trama, o cenário, os personagens, seus intérpretes e criadores.
O estilo reflete o íntimo daquelas pessoas, presas numa cidade no meio do deserto cuja maior atração é a enorme cratera causada por um pequeno asteroide, e que evoca todas as fixações dos americanos com óvnis, área 51 e afins.
Prova disso são os vários planos-sequência que rodam ao longo dos atos. Desde a notável apresentação de Asteroid City, em que a câmera vai, sem pressa, mostrando a lanchonete, o mecânico, o hotel, o observatório, e o hilário cercadinho militar.
É verdade que Anderson largou o mundo real desde “Pura Adrenalina”, seu primeiro longa, de 1996, e agora depende de efeitos digitais. Mas ao filmar numa grande cidade cenográfica (a alguns quilômetros de Madrid), cheia de maquetes, Anderson dá um respiro do mundo tátil, enquanto deixa seus atores sempre deslocados, reforçando a teatralidade.
Nesse filme sem centro, se movendo entre um núcleo narrativo e outro, é fácil se perder entre sua verborragia habitual que em vários momentos desse filme atrapalha e cansa o espectador.
Mas “Asteroid City” está sempre de olho tanto na terra quanto no céu, nos humanos e nos extraterrestres, nos personagens e em seus atores. Em última instância, de olho nos limites do texto e na sua representação, tanto que os próprios personagens notam essa incompletude.
Difícil dizer que Wes Anderson só repete uma fórmula sim, ele trabalha a partir de ideias fixas e de um visual palatável que virou até trend de TikTok. Mas, conceitualmente, a repetição é um dos grandes motes do bom cinema contemporâneo, com Hong Sang-soo, Chantal Akerman, Manoel de Oliveira, Catherine Breillat etc.
O cineasta arrisca fazer um filme irregular para mergulhar no abismo da encenação e contemplar seu próprio estilo e aquilo que assombra suas criações elas não sabem para onde ir. O personagem de Schwartzman só entenderá seu lugar no mundo nos minutos finais da trama. Da mesma forma, Anderson tateia seu lugar no cinema não por filmes individuais, mas pela sua obra.
ASTEROID CITY
Avaliação Muito Bom
Quando Estreia nesta quinta (10) nos cinemas
Elenco Jason Schwartzman, Scarlett Johansson e Tom Hanks
Produção EUA, 2023
Direção Wes Anderson
HENRIQUE ARTUNI / Folhapress