Declaração de Belém tem lacunas, mas abre caminho para metas, dizem espeacialistas

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A assinatura da Declaração de Belém pelos oito países membros da OTCA (Organização do Tratado de Cooperação Amazônica) na última terça-feira (8) estabeleceu uma agenda internacional comum para a preservação da floresta amazônica. Embora possua lacunas, o documento traz diretrizes para a criação de mecanismos de cooperação e de metas futuras.

Para especialistas ouvidos pela reportagem, a Cúpula da Amazônia teve entre seus maiores méritos a reativação da OTCA – o último encontro de presidentes do bloco tinha ocorrido em 2009. Segundo Antônio Maués, professor da UFPA (Universidade Federal do Pará), a declaração pavimenta o caminho para que a organização se fortaleça institucionalmente.

O pesquisador cita o compromisso de se criar um Protocolo Adicional dentro do tratado, para que os presidentes de países membros, quando reunidos, possam tomar decisões de forma colegiada. “Significa criar uma instância de deliberação na qual os países têm que negociar e tomar decisões concretas -é o momento em que se pode estabelecer metas, por exemplo, ou políticas comuns vinculando os diferentes governos”, explica Maués.

ONGs que atuam na Amazônia afirmaram que duas questões importantes ficaram de fora do texto: o estabelecimento de prazos para a redução do desmatamento e a criação de barreiras para a exploração de petróleo na região.

Em resposta, a ministra do Meio Ambiente e da Mudança Climática do Brasil, Marina Silva, disse que as nações amazônicas não assumiram o compromisso com o desmatamento zero por falta de consenso.

“Os documentos da OTCA, como em geral acontece [com organizações internacionais], têm que ser aprovados por unanimidade. O Brasil não teria problema em colocar meta de desmatamento, porque já assumiu esse compromisso. Mas outros países têm realidades diferentes e é muito difícil estabelecer metas concretas nesse momento de relançamento da organização”, defendeu Maués.

Segundo Paulo Artaxo, coordenador do Ceas (Centro de Estudos da Amazônia Sustentável) da USP (Universidade de São Paulo), o documento dá início a um “trabalho conjunto de estruturar uma economia e sociedade que sejam minimamente sustentáveis, combatendo ilegalidades e fazendo com que cada constituição seja respeitada”.

O texto propõe, nesse sentido, a troca de informações de inteligência e cooperação policial visando o combate a atividades ilícitas e crimes ambientais, como extração ilegal de madeira e minérios. “Isso nunca aconteceu antes e é muito importante. Porque quando você expulsa garimpo ilegal do Brasil, eles [garimpeiros] fogem para a Colômbia, Venezuela, para as Guianas. É preciso haver uma política comum no combate à ilegalidade”, afirma o pesquisador.

Um Centro de Cooperação Policial Internacional da Amazônia deve ser implementado em Manaus para coordenar as ações de prevenção, repressão e investigação de atividades ilícitas. A declaração também cita a criação de um sistema integrado de controle de tráfego aéreo na região para aprimorar o combate ao tráfico de drogas e outros crimes, como a exploração ilegal de recursos amazônicos.

A declaração também prevê a intensificação da colaboração científica da região, com a criação de Painel Técnico-Científico Intergovernamental da Amazônia – apelidado de “IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas) da Amazônia”. Para os especialistas, isso deve favorecer o intercâmbio de instituições de pesquisa e ensino da região, além do compartilhamento de tecnologias de sensoriamento remoto, por exemplo.

A participação social, em especial dos povos indígenas e comunidades tradicionais da Amazônia, também está prevista na declaração e deve ter papel relevante como instrumento de pressão, dizem os pesquisadores.

“Não há a menor dúvida que é uma carta importante. Ela não é completa, tem lacunas fundamentais, como a questão do desmatamento e da exploração de combustíveis fósseis. A gente espera que sociedades dos países pressionem seus governos para que esses compromissos sejam implementados em toda a região amazônica”, disse Artaxo.

LEONARDO ZVARICK / Folhapress

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