SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Foram precisos quase dez anos para que o ator, diretor e dramaturgo Darson Ribeiro convencesse a escritora e ensaísta Lya Luft a liberar os direitos de “O Lado Fatal”, livro que a própria autora impediu de circular ao longo dos anos por motivos que nunca foram revelados, mas ainda hoje são especulados.
“Talvez tenha um pouco de vergonha, talvez ela quisesse preservar a família, não dá para saber, mas o que eu sei é que ela foi muito corajosa”, diz Ribeiro, que estreia nesta quinta-feira, dia 10, no Sesc Belenzinho sua adaptação de “O Lado Fatal” estrelada por Denise Del Vecchio.
A obra narra o processo de luto vivido pela escritora após a morte do psicanalista Hélio Pellegrino, com quem viveu uma história de amor ao longo de três anos. A dor da perda foi acentuada por uma crise familiar com a qual a autora precisou lidar ao longo dos anos que esteve ao lado do psicanalista.
Isso porque, para viver o romance, a escritora saiu de um casamento com o gramático Carlos Luft com quem teve três filhos. “Me interessou essa história de amor”, diz Denise Del Vecchio, que celebra 52 anos de palco com a estreia do monólogo. A artista, que venceu o Prêmio Shell de melhor atriz há seis anos por sua interpretação de Medeia em “Trágica 3”, vê na história de Luft uma potência parecida com as das tragédias gregas.
“Ela é uma trágica moderna que coloca no mundo essa questão da perda. Ela encara isso porque a vida foi bastante dramática. A decisão de abandonar a família e se unir ao Hélio foi um impulso de paixão que pouca gente, na verdade, poucas mulheres têm coragem de assumir e realizar, ainda mais aos 47 anos”, diz a atriz.
No espetáculo, Del Vecchio vive Luft em uma sessão de terapia com o que seriam suas memórias com Pellegrino e a dor da perda. A adaptação entrelaça passagens do livro e de outras obras da autora à luz da admiração que Ribeiro passou a nutrir tanto pela autora quanto pelo psicanalista e ainda pelo ex-marido da escritora, Carlos Luft, com quem voltou a viver poucos anos após a morte de Pellegrino.
“Eram três pessoas muito à frente do seu tempo. O Luft disse: vai e se não der certo, volta que eu estarei aqui. Ela foi, voltou e ele realmente a aceitou de volta e viveram juntos até a morte dele. Nós precisamos aprender mais com essas pessoas porque estamos voltando a um lugar de caretice”, diz.
Morta em 2021, vítima de um câncer de pele, Luft enfrentou o cancelamento das redes sociais em 2020 ao se dizer arrependida de seu voto em Jair Bolsonaro. O assunto não é abordado no espetáculo, mas tanto Del Vecchio quanto Darson Ribeiro deixam claro que não concordam com a forma com a qual a escritora foi tratada online.
“A Lya é uma personagem rica também por isso. Ela foi uma mulher muito à frente do tempo dela, mas tinha uma criação conservadora, vinha de uma cidade também muito conservadora. Mas ao mesmo tempo era uma pensadora muito crítica. Votou no Bolsonaro, se arrependeu e pôs isso publicamente porque acreditava que precisava se pronunciar”, diz Del Vecchio.
Ribeiro, que pretende seguir com outras adaptações da obra da artista, entre elas “O Silêncio dos Amantes”, de 2008, além de contar a história de Hélio Pellegrino, concorda e celebra a montagem da peça como uma forma de homenagear a escritora que, a seu ver, não teve os louros que mereceria na época de sua morte.
“Tem uma questão de memória, mas também tem essa questão do cancelamento. Ela fez tanta coisa, não pode ficar lembrada apenas como alguém que votou no Bolsonaro e se arrependeu. Ela era maior, e a peça traz isso.”
Não é só a imagem da escritora que surge renovada no espetáculo, mas também a história do livro “O Lado Fatal”, que não só voltou a circular em uma nova edição da Record, como fará parte da encenação. Em parceria com a editora, a produção sorteará um livro por sessão autografado por Del Vecchio em cena.
O LADO FATAL
Quando 10/08 a 27/08 (qui. a sáb às 20h e dom. às 17h)
Onde Sesc Belenzinho (r. Padre Adelino, 1000, Belenzinho, 3º andar)
Preço R$ 15 (meia) a R$ 30 (inteira)
Classificação Livre
Autoria Lya Luft
Elenco Denise Del Vecchio
Direção Darson Ribeiro
Acessibilidade Arquitetônica
BRUNO CAVALCANTI / Folhapress