RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) – A inflação dos alimentos perdeu força no Brasil, mas pode sofrer uma pressão a partir do final deste ano devido a um fenômeno climático, dizem economistas. O risco vem do El Niño, que é conhecido por afetar a distribuição de chuvas no território.
Por ora, o cenário não preocupa tanto os analistas, mas eles avaliam que a situação pode impactar preços mais sensíveis às mudanças climáticas, com chance de impedir uma deflação (queda) dos alimentos em 2023.
Em um primeiro momento, a lista de itens mais suscetíveis a essa pressão é composta pelos produtos de hortifrúti legumes, verduras e frutas.
A última vez que a alimentação no domicílio fechou um ano com deflação no Brasil foi em 2017 (-4,85%), segundo os dados do IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo).
“O que o El Niño pode fazer com os alimentos é impedir uma deflação neste ano”, diz Sergio Vale, economista-chefe da consultoria MB Associados.
No acumulado de 12 meses até junho, a alimentação no domicílio desacelerou a alta no IPCA para 2,88% estava em 16,71% em igual período do ano passado.
Por ora, Vale prevê avanço próximo de 2% até dezembro de 2023, embora não descarte totalmente a possibilidade de deflação.
“Ainda há chance de isso acontecer. Tem uma queda forte dos preços no atacado que vai continuar sendo repassada para o consumidor.”
O El Niño é caracterizado pelo aquecimento anormal do Oceano Pacífico na região da linha do Equador, elevando as temperaturas globais. Cientistas dos Estados Unidos declararam o início do fenômeno no início de junho.
No Brasil, o evento aumenta a chance de grandes volumes de chuva no Sul e eleva o risco de períodos mais secos no Nordeste e no Norte, segundo o Inmet (Instituto Nacional de Meteorologia).
Em relatório, as economistas do Itaú Unibanco Luciana Rabelo, Julia Passabom e Natalia Cotarelli dizem que o novo El Niño, apesar de relevante, não deve se igualar ao evento registrado em 2015 e 2016. Assim, elas preveem efeitos mais moderados sobre as safras e os preços dos alimentos desta vez.
No caso da inflação, as economistas avaliam que os impactos tendem a ficar mais concentrados no fim do ano nos itens de hortifrúti, com produção mais localizada no Sul e no Sudeste, que podem receber mais chuvas.
Segundo o Itaú, o El Niño pode gerar um aumento de 0,10 ponto percentual sobre o IPCA de 2023. Por ora, a projeção do banco é de uma alta 5,1% para o índice como um todo até dezembro, sem considerar o efeito do fenômeno climático. Para a alimentação no domicílio, a perspectiva é de alta de 0,6%.
“O El Niño seria uma preocupação mais para o final do ano, se tiver aumento de chuvas no Sul e no Sudeste. Alimentos de hortifrúti, como frutas, batata e tomate, são bem voláteis”, afirma Rabelo.
A economista acrescenta que, como esses preços costumam oscilar bastante, é possível que a eventual alta no quarto trimestre seja “devolvida” com uma baixa posteriormente.
“Temos a formação de um El Niño para a safra 2023-2024. Isso é fato. Não tem como negar. Só que esse El Niño está longe de ser, na nossa visão, de forte intensidade”, aponta o agrometeorologista Marco Antonio dos Santos, da Rural Clima.
Santos também cita os preços de hortifrúti como os mais suscetíveis aos impactos do fenômeno climático. “Se você fica 15 dias sem colher hortaliças, na semana seguinte já há o efeito no dia a dia da dona de casa.”
O economista Adriano Valladão, do Santander Brasil, afirma que o El Niño traz mais riscos para a inflação dos alimentos no período da metade para o final do quarto trimestre, com possível pressão sobre os itens in natura.
“As temperaturas do Oceano Pacífico já apontam que vamos ter o El Niño. A dúvida agora é a intensidade”, diz Valladão.
As previsões do Santander Brasil, revisadas neste mês, são de alta de 4,9% para o IPCA como um todo em 2023 e de deflação (queda) de 0,5% para a alimentação no domicílio.
LEONARDO VIECELI / Folhapress