SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Celso Campilongo, diretor da Faculdade de Direito da USP, olha para os atos democráticos de 11 de agosto de 2022 e afirma, sem nenhum sinal de vaidade: “Eu me orgulho muito de ter participado disso”.
Oscar Vilhena, diretor da FGV Direito SP, também se volta para o passado recente e diz, com igual desprendimento: “Foi um privilégio ter participado disso de alguma maneira”.
Por caminhos distintos, mas convergentes, ambos tiveram papel crucial na divulgação das duas cartas em defesa da democracia que, um ano atrás, ajudaram a conter o ímpeto golpista do então presidente Jair Bolsonaro (PL).
A pedido da Folha de S.Paulo, os dois se encontraram na São Francisco como é conhecida a Faculdade de Direito da USP para relembrar bastidores daquele processo, falar sobre o sucesso do evento e analisar seu lugar na história.
“A gravidade daquela situação e a importância do ato ficaram ainda mais claras no dia 8 de janeiro”, argumenta Campilongo.
Mesmo com toda a mobilização da sociedade civil em 11 de agosto, apoiadores do ex-presidente avançaram sobre Brasília no começo deste ano e depredaram as sedes dos Três Poderes, numa manifestação de desrespeito ao resultado das eleições.
Muitos viram ali as digitais do ex-presidente. Embora estivesse fora do país na época da invasão, Bolsonaro havia se recusado a passar a faixa para Lula, demorado a reconhecer a derrota e, durante seu mandato, feito diversos ataques ao sistema eleitoral.
Desde pelo menos 2021, diversos setores da sociedade consideravam inequívocos os indícios de que Bolsonaro tentaria permanecer no poder à força caso não fosse reeleito. Alguma resposta precisava ser dada e poucas foram tão veementes quanto as do 11 de agosto.
“Quando vislumbramos que as centrais sindicais estavam dispostas a assinar a mesma carta que a Febraban e a Fiesp, entendemos que era um momento diferenciado”, afirma Vilhena, citando as siglas da Federação Brasileira de Bancos e da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo.
Vilhena se refere ao manifesto “Em Defesa da Democracia e da Justiça”, que foi lido no salão nobre da faculdade por José Carlos Dias, ex-ministro da Justiça e presidente da Comissão Arns.
O texto reuniu a assinatura de mais de cem entidades, numa união improvável entre movimentos sindicais, sociais e patronais, organizações da sociedade civil, Academia Brasileira de Ciências e União Nacional dos Estudantes, entre outros.
“As pessoas transcenderam os seus interesses econômicos, de classe, identitários”, afirma o professor da FGV. “Para mim, foi uma mostra de que somos capazes de fazer isso: sentar à mesa e endossar um mesmo documento”, diz.
“Isso é fundamental para a manutenção de democracia, porque é preciso haver consenso em torno de algumas coisas que são essenciais”, completa Vilhena. “O mais bacana, para nós, foi esse protagonismo compartilhado.”
A articulação do manifesto das instituições contou com a participação direta e indireta de gente variada como o ex-ministro Miguel Reale Jr., um dos autores do impeachment de Dilma Rousseff (PT), e do ex-ministro José Eduardo Cardozo, advogado da petista no processo.
Também participaram a socióloga Neca Setúbal, presidente do conselho da Fundação Tide Setúbal e uma das herdeiras do grupo Itaú, e Maria Hermínia Tavares, professora aposentada de ciência política da USP.
Assim como Josué Gomes (presidente da Fiesp), o economista Arminio Fraga (pelo setor empresarial), o educador Douglas Belchior (pelos movimentos sociais) e o sociólogo Clemente Ganz Lúcio (pelas centrais sindicais).
Por coincidência, havia um outro grupo pensando coisas parecidas: Antonio Roque Citadini, Dimas Ramalho, Luiz Antonio Marrey, Ricardo de Castro Nascimento, Roberto Vomero Mônaco e Thiago Pinheiro Lima.
Eram os articuladores da “Carta às brasileiras e aos brasileiros em defesa do Estado democrático de Direito”, que não sabiam da existência do outro manifesto, mas que tinham o mesmo plano: ler o documento na São Francisco.
“Foi um momento de resposta muito forte da sociedade civil, num processo que por acaso confluiu para a faculdade”, diz o diretor Campilongo, que, assim como sua vice, Ana Elisa Bechara, ficou com um pé em cada canoa.
Os dois grupos cogitaram a união dos textos, mas logo concluíram que teriam mais a ganhar se continuassem separados. Deu certo, porque um dos manifestos teve peso institucional, enquanto o outro acumulou mais de 1 milhão de assinaturas.
“Aquilo consolidou uma preocupação muito grande com o risco de golpe de Estado, de retrocesso institucional, de ditadura”, afirma Campilongo.
No dia 11 de agosto, num evento bastante concorrido na São Francisco e retransmitido por diversas instituições, os dois documentos foram lidos numa cerimônia que começou no Salão Nobre da faculdade e terminou no pátio onde, em 1977, o jurista Goffredo da Silva Telles leu a histórica “Carta aos Brasileiros”, contra a ditadura militar.
Para Vilhena, o impacto do 11 de agosto de 2022 é claro: “Sinalizou para os setores que estavam flertando com o golpe que eles teriam que dar um golpe contra toda a sociedade civil, todo o sistema econômico, toda a indústria. Isso certamente teve capacidade dissuasória”.
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COMEMORAÇÕES DO 11 DE AGOSTO NA FACULDADE DE DIREITO DA USP
(Largo São Francisco, 95, no centro de São Paulo)
Dia 11 (sexta-feira)
– 9h às 11h30: Seminário sobre inteligência artificial
– 12h: aula magna de Ricardo Lewandowski, ex-ministro do Supremo Tribunal Federal
– 18h30: concessão da Medalha Armando de Salles Oliveira a Alexandre de Moraes (ministro do STF), Ricardo Lewandowski e Celso de Mello (ex-ministros do STF)
Dia 12 (sábado)
– 12h30: Tradicional Almoço de 11 de Agosto, no pátio da faculdade (ingressos em arcadas.org.br)
– Homenagens a participantes da carta de 2022 em defesa do Estado democrático de Direito, pessoas que contribuem com a faculdade, antigos alunos ilustres e funcionários
UIRÁ MACHADO / Folhapress