SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O ministro Alexandre de Moraes, do STF (Supremo Tribunal Federal), atendeu parte do pedido feito pelo INSS (Instituto Nacional do Seguro Social) em novo julgamento da revisão da vida toda e limitou a aplicação da decisão tomada pelo Supremo no final do ano passado.
Para o ministro, benefícios extintos não podem ser revistos e a data que marca a correção é 1º de dezembro de 2022, quando, por 6 votos a 5, o STF reconheceu o direito. Ele negou, no entanto, a inclusão do divisor mínimo no cálculo, e reafirmou ser de até dez anos o prazo para pedir a revisão.
A revisão da vida toda é uma ação judicial na qual os segurados podem pedir a correção do benefício para incluir, no cálculo, contribuições feitas antes de 1994, beneficiando quem tinha pagamentos maiores antes do início do Plano Real.
O caso voltou a ser debatido no plenário virtual do Supremo nesta sexta-feira (11). O término do julgamento está previsto para o próximo dia 21. Os ministros analisam os embargos de declaração espécie de recurso apresentados pela AGU (Advocacia-Geral da União) sobre o tema 1.102.
A tese definida pela corte no ano passado afirma que “o segurado que implementou as condições para o benefício previdenciário após a vigência da Lei 9.876, de 26.11.1999, e antes da vigência das novas regras constitucionais, introduzidas pela EC 103/2019, tem o direito de optar pela regra definitiva, caso esta lhe seja mais favorável”.
O INSS, no entanto, entrou com pedido de esclarecimento da decisão. No voto apresentado por Moraes nesta sexta, o ministro aceita parte do pedido do instituto, afirmando que os benefícios já extintos não devem ser revistos, o que pode afetar pensão por morte derivada de aposentadoria com erro, ou aposentadoria por invalidez paga após auxílio-doença calculado errado, por exemplo.
Além disso, determina também que não haverá revisão de decisões já tomadas, com trânsito em julgado na Justiça, e que a correção das próximas parcelas de benefício deve ser feita levando-se em consideração a data de julgamento da ação, que é 1º de dezembro de 2022.
Em seu voto, define que se exclua da decisão do STF “a revisão retroativa de parcelas de benefícios já pagas e quitadas por força de decisão já transitada em julgado” aplicando-se “às próximas parcelas a cláusula rebus sic stantibus , para que sejam corrigidas observando-se a tese fixada neste leading case, a partir da data do julgamento do mérito (1º/12/2022)”.
A decisão de Moraes, no entanto, gerou confusão entre especialistas. Há os que entendam que o ministro limitou o pagamento dos atrasados, que são os valores retroativos. Outros afirmam que a tese ficou em aberto e há os advogados que acreditam não haver limitação.
“A modulação é para trazer clareza, mas como o voto está truncado, pode gerar confusão na aplicação da ‘vida toda’ em todo o país, o que traz insegurança jurídica”, afirma Rômulo Saraiva, especialista em Previdência e colunista da Folha.
“Embora essa modulação possa trazer interpretação de que não se pagariam atrasados, quando se analisa de forma específica, seria apenas nas hipóteses levantadas pelo ministro. Quem não recebeu porque está com processo na Justiça ou porque ainda vai entrar com ação, vai ficar a dúvida, e haverá juízes que vão entender que os retroativos seriam a partir de 2022 ou dos últimos cinco anos da ação, como é normal e claro”, diz.
Gisele Kravchychyn, diretora de atuação judicial do IBDP (Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário) e advogada defensora da tese que chegou ao STF, afirma que nunca houve limitação do pagamento dos atrasados na área previdenciária em decisões do Supremo.
Para ela, Moraes não limitou o pagamento para quem “entrou com ação ou não entrou”. “Ele limitou para quem teve ação transitada em julgado”, diz a advogada. O trânsito em julgado é quando um processo chega totalmente ao final na Justiça, sem possibilidade de recurso.
“A limitação feita pelo ministro foi para quem teve ação transitada em julgado antes da decisão do Supremo. Nesse caso, ele garantiu que o pagamento tenha a aplicação da revisão da vida toda da data do julgamento de 1º de dezembro em diante”, afirma.
A advogada Adriane Bramante, presidente do IBDP, diz que essa dúvida sobre a limitação precisa ainda ser confirmada, o que só ocorrerá com o fim do julgamento, com os votos dos outros ministros. Dez ainda não votaram. “Eu diria que o voto limita os atrasados de quem teve ação judicial anterior transitada em julgado, mas que isso ainda precisa ser confirmado pelos demais votos.”
Para João Badari, do Aith, Badari e Luchin, limitação dos atrasados iria contra à lei de benefício previdenciário, e é necessário esperar o fim do julgamento. “É um acórdão que precisa ser debatido e explicado”, diz.
Diego Cheruli, vice-presidente do IBDP, afirma que, embora a decisão apresente divergências de interpretações, na sua avaliação, não há dúvidas de que o ministro negou o pedido do INSS sobre os atrasados. “A proposta de modulação busca proteger o trânsito em julgado, mantendo o direito àqueles que tiveram ações judiciais a ter a revisão sobre as novas parcelas do benefício pagas a partir do julgamento pelo STF.”
O advogado Hilário Bocchi, do Bocchi Advogados Associados, afirma que talvez seja necessário entrar com pedido de embargos dos embargos para esclarecer o que o ministro quis dizer. Para ele, no entanto, a decisão sobre a limitação da correção é mesmo para casos judicias que transitaram em julgado.
Para o Fernando Gonçalves Dias, do Gonçalves Dias Sociedade de Advogados, o voto do ministro diz que segurados que se aposentaram após decisão da Justiça, que foram prejudicados com o cálculo do benefício, não têm direito à revisão da vida toda.
“Por exemplo, um segurado se aposentou por meio de processo judicial e esse processo já transitou em julgado não poderá pleitear a revisão, mesmo a regra permanente sendo mais benéfica; A esses segurado fica assegurada somente a revisão do valor mensal, sem direito a nenhuma diferença vencida, a contar de 1º/12/2022.”
**VERSÕES DIFERENTES**
Pela manhã, um ponto que chamou atenção foi a publicação do resumo do voto do ministro no plenário virtual que estava diferente do próprio voto de Moraes. No resumo, a data de marco da revisão é 13 de abril de 2023, quando houve publicação do acórdão pelo Supremo. No voto do ministro, é 1º de dezembro.
Além disso, o resumo fala em “vedação” do pagamento de valores anteriores a 13 de abril. “Vedando-se por consequência o pagamento de diferenças anteriores a 13.04.2023 (data de publicação do acórdão do Tema 1.102/STF), nos moldes pedidos pela autarquia”, dizia o texto, que foi excluído do sistema.
**JULGAMENTO PODERÁ SER INTERROMPIDO**
O julgamento da revisão da vida toda pode ser interrompido por um pedido de vista de algum ministro para analisar melhor o caso, mas, se não houver devolução do processo em até 90 dias, a tese volta a ser julgada.
Outro pedido que pode ser feito é de destaque, levando o caso novamente ao plenário da corte. “A gente espera que o Supremo cumpra a Constituição, mantenha a decisão já efetuada, que foi debatida o suficiente, e remeta essas discussões que têm mais relação com a lei para eventual debate e julgamento em outros tribunais”, diz ela.
**AÇÕES ESTÃO PARADAS NA JUSTIÇA**
As ações que tratam da revisão da vida toda na Justiça estão paradas desde o final de julho, após decisão do ministro Alexandre de Moraes, que acolheu parte do pedido da AGU (Advocacia-Geral da União) nos embargos de declaração. O ministro determinou a suspensão até que o novo julgamento seja concluído.
**O QUE PODE SER DECIDIDO NA REVISÃO DA VIDA TODA?**
No julgamento, os ministros vão debater vários pontos, como o pedido da AGU de que haja uma “delimitação” de prazo, já que, no período de 20 anos que envolve a revisão 1999 a 2019 88,3 milhões de benefícios foram concedidos.
Um dos pontos solicitados é para que o STF considere o uso do divisor mínimo no cálculo da nova renda de quem tiver direito à correção. O tema não foi tratado no plenário e, segundo a Advocacia-Geral, pode resultar em distorções no cálculo dos benefícios. Este pedido já foi negado por Moraes.
O divisor mínimo foi criado pela lei 9.876/99 para evitar que o segurado obtenha aposentadoria alta tendo pagado um número pequeno de contribuições de valor maior que as demais. A regra estabelece o período mínimo de meses (atualmente 108 meses, o equivalente a nove anos) pelo qual a média dos salários de contribuição deve ser dividida no momento do cálculo do benefício.
Badari diz que o divisor mínimo não se sustenta, já que a regra criada na reforma da Previdência de 1999 vai contra a tese do STF. O divisor se aplica à regra de transição, mas o STF decidiu que a regra de transição não deve ser aplicada se ela prejudicou o segurado que já contribuía com o INSS.
Moraes também descartou o debate sobre a decadência, que é o prazo de dez anos para pedir uma revisão, pois a questão já foi debatida no STF, que decidiu haver esse limite nos pedidos de revisão da vida toda.
Essa é a terceira vez que a revisão da vida toda é julgada. No ano passado, começou a ser analisada no plenário do Supremo, mas manobra do ministro Nunes Marques levou o caso ao plenário físico. O debate foi pautado, adiado, mas chegou ao final em dezembro, após julgamento presencial, quando houve reconhecimento da constitucionalidade da revisão.
**QUEM TEM DIREITO À REVISÃO DA VIDA TODA**
Tem direito à revisão da vida toda o segurado que se aposentou nos últimos dez anos, desde que seja com as regras anteriores à reforma da Previdência, instituída pela emenda 103, em 13 de novembro de 2019. É preciso, ainda, que o benefício tenha sido concedido com base nas regras da lei 9.876, de 1999.
Especialistas destacam que quem pediu o benefício após a reforma, mas conseguiu se aposentar com as regras antigas, por meio do direito adquirido, também pode ter direito à revisão.
A correção compensa, no entanto, para quem tinha altos salários antes do início do Plano Real. Trabalhadores que ganhavam menos não terão vantagem.
CRISTIANE GERCINA / Folhapress