Candidatos na Argentina propõem de moeda comum a fim de acordos quando se trata do Brasil

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Após três anos de claro descompasso entre os presidentes de Brasil e Argentina, os dois gigantes da América do Sul tiveram uma janela de sinergia: o esquerdista Alberto Fernández, na Casa Rosada desde o fim de 2019, finalmente pôde contar com um líder brasileiro mais próximo de seu espectro político no começo deste ano, com a posse de Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

Mas o bom momento entre os dois países corre o risco de acabar no final deste ano, a depender de quem ganhar as eleições da Argentina. O pleito vai decidir quem será o próximo presidente da nação vizinha em meio às múltiplas crises que ela enfrenta.

A etapa inicial desse processo acontece neste domingo (13), quando os argentinos escolherão quem estará nas cédulas de votação de outubro de 2023 por meio das Paso –forma como as eleições primárias são conhecidas no país, um acrônimo de “primárias, abertas, simultâneas e obrigatórias”.

O pré-candidato cujas ideias mais se alinham com as de Lula é o representante do peronismo na disputa, o atual ministro da Economia, Sergio Massa. Em seu período no cargo, Massa apoiou, por exemplo, a proposta da criação de uma moeda comum entre os países anunciada por seu homólogo brasileiro, Fernando Haddad, durante visita a Buenos Aires.

A ideia não é que a unidade monetária seja usada no cotidiano da população, a exemplo do euro, mas sim em transações comerciais. Massa já disse que a iniciativa poderia “potencializar o comércio e a integração com o mundo” sem que o Estado perca sua “soberania e liberdade econômica”.

O ministro ainda esteve na inauguração de um trecho do gasoduto Néstor Kirchner, aposta da Argentina para conquistar sua independência energética e, quem sabe, exportar gás para o Brasil. Em janeiro, Lula sugeriu que o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) financiasse parte do projeto.

Massa declarou na ocasião que as obras mudariam definitivamente a equação atual da balança comercial do país. “A Argentina vai passar de um país com déficit de dólares por ter que importar energia a um país com superávit de dólares”, disse.

Já uma das pré-candidatas cujas visões mais se distanciam daquelas da gestão brasileira atual é Patricia Bullrich. Ministra de Segurança do ex-presidente Mauricio Macri, seu nome está entre os principais da corrida eleitoral. Sua proposta para as relações exteriores é parecida com a de seu colega de partido, um plano que não inclui um grande aprofundamento das relações da Argentina com o Brasil e tampouco com o resto da América Latina.

Em maio, Bullrich disse em um evento organizado pela Câmara de Comércio dos Estados Unidos na Argentina que divide o mundo entre democracias e autocracias. “Seremos claros nos princípios e abertos no comércio. Podemos manter relações comerciais com todos os países, mas a nossa ideia será sempre voltada ao que se chama tradicionalmente de Ocidente”, afirmou.

Essa política mais “ocidentalista”, como classificou o professor do Departamento de Geografia da Universidade Nacional de La Plata Gabriel Merino, pressupõe um alinhamento mais forte com os americanos e certo distanciamento de potências emergentes como China e Rússia. Por outro lado, sua campanha fala de fortalecer laços com o Mercosul, ainda que flexibilizando a relação de seu Estado com o bloco.

No meio da régua ideológica entre os políticos mencionados está Horacio Larreta, atual chefe do governo de Buenos Aires. Ele compete com Bullrich por uma indicação à Presidência pela coalizão Juntos por el Cambio, a mais forte da oposição, que chega às primárias dividida. E, assim como em outros temas, também quando se fala de relações exteriores ele parece ser mais flexível do que sua rival.

Em entrevista recente à imprensa, a campanha do pré-candidato anunciou ter como meta dobrar as exportações em seis anos. Para chegar a essa marca, a Argentina se voltaria para mercados da Ásia, em especial, além de mirar regiões como o norte da África e o Oriente Médio.

Na mesma ocasião, a relação com o Brasil foi descrita como “estratégica e permanente”. Mas a comitiva afirmou também que ela tinha que ser “dinamizada” e “desideologizada”. “Estamos convencidos de que a relação com o Brasil deve ir além das simpatias pessoais que os presidentes possam ter”, disseram os representantes à época.

Entre as prioridades do político de centro-direita estão a integração energética e de infraestrutura nas fronteiras e a padronização de normas técnicas, de modo a facilitar o trânsito de mercadorias e de pessoas.

Ele compartilha com Massa o desejo de negociar o financiamento do gasoduto Néstor Kirchner com o Brasil; já com Bullrich, ele tem em comum o desinteresse pelo Brics. Lula recentemente defendeu a inclusão da Argentina no grupo que o Brasil integra ao lado de Rússia, Índia, China e África do Sul que, nos últimos tempos, vem discutindo a possibilidade de abrigar mais nações, como Arábia Saudita, Bangladesh, Indonésia e Nigéria.

A esse panorama somam-se as propostas do ultradireitista Javier Milei, tão radicais que é difícil prever seus efeitos. O plano de governo do pré-candidato, um “anarcocapitalista” declarado, descreve um projeto com prazo de 35 anos no qual o país se abriria de forma “unilateral ao comércio internacional” e eliminaria os impostos sobre exportações e importações.

Milei já afirmou também que gostaria de eliminar o Mercosul por discordar de qualquer tipo de intervenção de outros Estados sobre as transações comerciais de seu país.

De acordo com as últimas pesquisas, porém, dificilmente os argentinos terão que lidar com tamanhas mudanças. Ele, que já foi considerado uma ameaça aos candidatos dos partidos tradicionais, é o favorito de cada vez menos eleitores, e sua aliança tem entre 11% e 27% das intenções de voto nas primárias, a depender da pesquisa. Está, portanto, atrás da Juntos por el Cambio, que registra entre 22% a 40% das preferências dos eleitores, e da União pela Pátria, com entre 19% a 34%, segundo dados agregados pelo portal La Política.

Seja quem for, o eleito em outubro –ou em novembro, caso a disputa passe para o segundo turno– precisará encarar a desafiadora crise econômica no país. A Argentina acumula déficits fiscais há mais de dez anos e sustenta uma inflação acima dos três dígitos.

Tal cenário, segundo Merino, diminui sua margem de manobra internacionalmente. No ano passado, por exemplo, Pequim deixou de ser o maior parceiro comercial de Buenos Aires e foi substituída por Brasília novamente.

“Essa retração da globalização que estamos vendo tende a fortalecer uma tendência de proteção nacional e regional frente a uma ordem instável”, afirma o professor. “A relação com o Brasil é uma das poucas políticas de Estado que a Argentina mantém desde o retorno à democracia, nos anos 1980.”

DANIELA ARCANJO / Folhapress

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