SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Ao menos 11 dos 27 integrantes do primeiro escalão do governo Tarcísio de Freitas (Republicanos) em São Paulo engordam seus salários com a participação em conselhos de empresas estatais, prática que se tornou comum nas três esferas da administração pública.
Os secretários estaduais recebem R$ 32.844,41 por mês, valor aprovado pela Assembleia Legislativa. A verba líquida é próxima de R$ 22 mil.
Segundo o portal da transparência, aqueles que integram conselhos fiscal ou de administração de estatais recebem uma gratificação, chamada de jetom, de até R$ 10 mil (R$ 8.000 líquidos).
Ao acumular os dois pagamentos, secretários chegam a ultrapassar o teto salarial do funcionalismo estadual, que é de R$ 34.572,89 (salário do governador).
Segundo especialistas em contas públicas consultados pela Folha, os jetons não são submetidos ao teto da remuneração desde que sejam pagos por estatais autossuficientes financeiramente.
Em geral, a obrigação dos conselheiros das empresas é participar de uma reunião mensal. Parte dos secretários de Tarcísio que são membros dos conselhos foram nomeados para estatais que não têm relação com suas respectivas pastas ou áreas de atuação.
O Tribunal de Contas do Estado de São Paulo (TCE-SP) segue decisões do STF (Supremo Tribunal Federal) e do STJ (Superior Tribunal de Justiça) que permitem a atuação dos secretários como conselheiros e estabelecem que esse pagamento deve ser computado como indenização, ou seja, não entra no cálculo do teto salarial no caso de empresas estatais não dependentes.
Se a estatal é dependente dos recursos do estado para bancar suas despesas de pessoal ou custeio, o valor pago ao conselheiro entra no cálculo do teto –portanto a somatória não pode ultrapassá-lo.
O secretário da Casa Civil, Arthur Lima, é presidente do conselho de administração da Companhia Docas de São Sebastião (Cia Docas) e conselheiro de administração da Companhia Paulista de Parcerias (CPP).
A quantia paga aos conselheiros é definida pelo Conselho de Defesa dos Capitais do Estado (Codec), órgão colegiado da Secretaria da Fazenda que, segundo um decreto estadual, é presidido pelo secretário da Casa Civil –Arthur Lima, no caso.
Também integram o Codec o secretário de Gestão e Governo Digital, Caio Paes de Andrade, e o secretário da Fazenda, Samuel Kinoshita.
Kinoshita e o secretário especial de projetos Estratégicos, Guilherme Afif, integram o conselho de administração da CPP e da Companhia Paulista de Securitização (CPSEC) –e recebem cerca de R$ 8.000 líquidos por cada uma, além do salário de secretário.
São conselheiros de administração da CPSEC os secretários Jorge Lima (Desenvolvimento Econômico) e Marco Assalve (Transportes Metropolitanos). E da CPP o secretário Rafael Benini (Parcerias em Investimentos).
Nos conselhos da Sabesp, cuja privatização é uma bandeira de Tarcísio, estão a secretária Natália Resende (Meio Ambiente, Infraestrutura e Logística) e a procuradora-geral do Estado, Inês Coimbra.
Resende faz parte do conselho fiscal da empresa, com pagamento de R$ 6.800 (R$ 5.800 líquidos). Já Coimbra é membro do conselho de administração e recebe R$ 11.500 (R$ 8.500 líquidos).
As secretárias Lais Vita (Comunicação) e Marília Marton (Cultura) são conselheiras de administração da Cia Docas –a primeira do conselho administrativo (R$ 8.000 líquidos) e a segunda do fiscal (R$ 5.800 líquidos).
Em geral, as estatais em que atuam os secretários de Tarcísio são não dependentes, com exceção da Cia Docas. Um parecer da Procuradoria-Geral do Estado de 2015, porém, estabelece que os jetons pagos aos secretários não integram a conta do teto.
A situação do controlador-geral do Estado, Wagner Rosário, é diferente. Ele tem um salário de R$ 11 mil (R$ 8.000 líquidos) e integra o conselho de duas estatais dependentes, o IPT e a Cetesb, recebendo cerca de R$ 5.000 líquidos por cada uma. A soma, contudo, não atinge o teto.
O conselho de administração da Cia Docas já se reuniu dez vezes neste ano, e o fiscal teve cinco encontros, de acordo com atas registradas no site da empresa. No caso da Sabesp, foram oito reuniões do conselho administrativo e apenas um do fiscal.
Segundo a assessoria de imprensa do TCE-SP, duas decisões de 2021 da corte de contas consideram que, se a empresa estatal for dependente, o jetom “deve ser considerado como remuneração para fins de observância do teto remuneratório”. Mas, se a empresa for independente, o pagamento “é considerado indenização e não entra no cálculo do teto”.
No governo João Doria (então no PSDB), ao menos seis secretários receberam gratificação como conselheiros de estatais, também ultrapassando o teto legal na maioria dos casos.
O próprio Tarcísio, quando ministro da Infraestrutura de Jair Bolsonaro (PL), integrou o conselho fiscal do Senac, o que aumentava seus ganhos em R$ 21 mil por mês.
Governo diz não haver nada de ilegal em pagamentos
Em nota, a assessoria de imprensa do Governo de São Paulo afirmou que “não há nada de ilegal” nos pagamentos.
“Há reiteradas manifestações da Procuradoria-Geral do Estado, Tribunal de Contas do Estado e Supremo Tribunal Federal de que o valor pago por participação em conselhos não é considerado como salário, e sim verba de representação. O Supremo Tribunal Federal […] consolidou o entendimento de que é permitido aos agentes públicos acumularem ao salário as gratificações recebidas pela participação em reuniões de conselhos estaduais”, diz a nota.
O governo afirma ainda que os membros dos conselhos “são eleitos e têm mandatos definidos por assembleias ordinárias” e que as nomeações “são realizadas de acordo com a legislação vigente”.
“Os conselheiros são, sem exceção, profissionais com vasta experiência nos setores público e privado. Dentre suas atribuições nos conselhos estão a formulação de estratégias para as empresas e auxílio na tomada de decisões”, completa.
CAROLINA LINHARES / Folhapress