BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – “Nas conversas com os partidos aliados, [José Dirceu] deixa claro que negocia, mas que o presidente dará a palavra final. A delegação a Dirceu para conduzir os entendimentos é parte do estilo de Lula. O presidente fala pouco com os aliados. Prefere entrar só no final.”
O trecho é de uma reportagem da Folha de 18 de janeiro de 2004, um ano depois de o presidente Lula (PT) subir a rampa do Palácio do Planalto pela primeira vez e seis dias antes de ele realizar a sua primeira reforma ministerial.
O cenário, guardadas proporções, repete-se agora. No lugar de articulador, está o ministro Alexandre Padilha (Relações Institucionais), que faz a ponte com os partidos e e por eles é cobrado por mais espaço no primeiro escalão.
À época, as negociações giravam em torno da entrada do PMDB (hoje MDB) no governo e se arrastaram por meses. O acordo inicial com os peemedebistas foi fechado em maio de 2003 o partido tinha a então maior legenda do Senado e segunda da Câmara, passando a integrar a base governista.
Na época, Dirceu, então ministro-chefe da Casa Civil, afirmou que o acordo seria “consolidado” com a reforma ministerial, com indicados do PMDB passando a integrar o governo.
Lula resistiu por meses até a sua gestão completar um ano, quando fez mudanças também para tentar melhorar o desempenho dos seus ministérios e acomodar aliados. Chegou a dizer que não se trocava um jogador com 10 minutos de jogo.
Embora tivesse em Dirceu seu homem de confiança, Lula deixava claro o seu estilo centralizador, o que em alguns momentos irritava a sua equipe de negociadores.
“As pessoas sabem que quem troca o ministério é o presidente da República, e que quem discute com os partidos políticos o ministério é o presidente da República. No momento certo, as coisas vão acontecer”, afirmou Dirceu durante viagem a Santa Cruz de la Sierra, na Bolívia, em novembro de 2003.
Em determinado momento, o PMDB chegou a ameaçar desembarcar da aliança com o governo. O partido já estava fazendo sua parte e entregando votos.
O Lula de 2023 tem diferenças com o de 2003. Agora, tem privilegiado viagens internacionais e se envolvido menos no varejo de negociações políticas.
Mas mantém o estilo centralizador de 20 anos atrás, arrastando trocas e colocando seus negociadores em saia-justa.
Lula disse recentemente que reforma ministerial não é uma “coisa absurda”. No entanto, a situação muda quando se trata de sacrificar aliados próximos. Em janeiro de 2004, disse que era um momento “muito doloroso”.]
Em junho, o prefeito de Belford Roxo, Waguinho, disse que Lula chorou ao demitir a sua esposa, a então ministra do Turismo, Daniela Carneiro. Essa sim substituída “aos 10 minutos de jogo”, por pressão da União Brasil, que emplacou o deputado Celso Sabino (PA).
Ministros palacianos aguardam do mandatário uma posição para concluírem o desenho da reforma, que vai abrir espaço para a entrada no governo do PP e Republicanos, fortalecendo assim a bancada governista no Congresso Nacional e encerrando uma novela que se arrasta há meses.
Com os dois partidos, o Planalto terá formalmente cerca de 370 votos na Câmara 62 a mais do que o necessário para aprovar uma emenda à Constituição.
A cada momento, porém, articuladores do governo são obrigados a criar novos termos para demonstrar que não há recuo do chefe do Executivo em trazer o centrão para a sua administração e conter os ânimos dos novos aliados.
Em 18 de julho, o líder do governo na Câmara, José Guimarães (CE), disse a jornalistas no Palácio do Planalto que “a tese de incorporar esses partidos [PP e Republicanos] no governo já está consolidada”.
A declaração ocorreu horas depois de Padilha receber os ministeriáveis André Fufuca (PP-MA) e Silvio Costa Filho (Republicanos-PE) e divulgar fotos do encontro.
Havia expectativa de que Lula oficializasse as trocas no retorno do recesso legislativo, no início do mês. O que não ocorreu. Padilha deu, então, mais um micro passo e disse que Lula já teria tomado sua “decisão de trazer esses dois parlamentares”.
Ninguém se atreve publicamente a dizer para qual ministério os indicados do Republicanos e do PP vão.
Em meio a boatos e esperanças quase diárias de uma decisão do chefe do Executivo, ele teve um encontro fora da agenda com Arthur Lira (PP-AL), presidente da Câmara e principal interlocutor do centrão, na semana passada.
Aliados de Lira dizem que, embora o encontro tenha durado horas e o presidente tenha reforçado que vai abrir espaço para os dois partidos na Esplanada, não houve o avanço que se esperava.
A expectativa inicial era que fossem contemplados com o Ministério dos Esportes para o Republicanos, e o Desenvolvimento Social para o PP. Lula, contudo, rechaçou essa segunda hipótese. Assim, o PP passou a dizer que não quer nada menor do que a pasta responsável pelo Bolsa Família.
Do outro lado do balcão, integrantes do governo atribuem dificuldade nas negociações ao fato de os parlamentares terem se empoderado durante a gestão Jair Bolsonaro (PL) com recursos do Orçamento e se colocaram numa posição de maior força e barganha contra o Executivo.
No Congresso, há quem aposte que a demora de Lula em se decidir pode acabar aumentando a fatura do centrão. Hoje, a proposta central do governo, o arcabouço fiscal, aguarda ainda conclusão de análise na Câmara.
Na votação da Reforma Tributária, último dia antes do recesso do Legislativo, o presidente da Câmara, em meio às comemorações, recebeu uma ligação do mandatário parabenizando-o.
Em um gesto ao Executivo, Lira colocou em votação o projeto de lei que muda regras de funcionamento do Carf (Conselho Administrativo de Recursos Fazendários).
Em 2004, na semana que antecedeu a nomeação de seis novos ministros, a demissão de outros seis e o remanejamento de três a novas posições, Dirceu disse: “A reforma não tem data. O presidente não vai estabelecer data [para conclusão] e desautoriza se eu coloco qualquer uma. Ele quer ter liberdade”.
Agora, quase 20 anos depois, Lula arrasta a reforma por meses e continua dizendo não ter pressa. Acena, por outro lado, a quem está do outro lado do balcão. Durante o lançamento do Novo PAC no Rio, na sexta-feira (11), Lira foi vaiado ao ser anunciado na plateia.
O presidente fez questão de criticar os protestos. Disse que não é Lira que precisa dele e sim o contrário.
MARIANNA HOLANDA E RENATO MACHADO / Folhapress