SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A pesquisadora Linamara Rizzo Battistella, professora titular de fisiatria na FMUSP (Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo) e ex-secretária estadual de Direitos da Pessoa com Deficiência (2008-2018), apresentará nos próximos dias à comissão de ética da instituição um projeto audacioso: comparar quatro modelos de exoesqueletos para, a partir dos melhores resultados, criar um equipamento nacional para uso no SUS (Sistema Único de Saúde).
O primeiro modelo, chamado Lokomat e produzido pela empresa suíça Hocoma, é conhecido pela equipe da pesquisadora porque é utilizado desde 2016 na Rede Lucy Montoro. A rede de reabilitação idealizada por Battistella, com 20 unidades em todo Estado, possui três desses equipamentos na capital e um em Santos.
“Eles trouxeram uma oportunidade incrível de avanço na reabilitação”, diz a cientista. No Lokomat, o tronco dos pacientes é sustentado por um braço central, suas pernas são impulsionadas por um sistema acoplado ao quadril, coxas, panturrilhas e pés, e a caminhada ocorre em uma esteira.
Esse design, diz Battistella, tem diversos pontos positivos: é seguro, permite ao paciente ficar na posição vertical e possibilita treinar a marcha. Além disso, a máquina possui uma tela em que é possível apresentar diferentes cenários, simulando uma caminhada na areia da praia, por exemplo. “Essa imersão torna a atividade prazerosa, e o exercício precisa ser agradável para fazer efeito.”
Por outro lado, o aparelho não permite o movimento de sentar e levantar. Ao ser realizada na esteira, a caminhada também não engloba andar para o lado, andar para trás e desviar de obstáculos, atividades que estimulam não só o desenvolvimento motor, mas também o cognitivo.
“Conseguir ficar de pé e se deslocar no plano é um desejo absolutamente presente na vida das pessoas que tiveram uma lesão medular e que são usuárias permanentes de cadeiras de rodas, mas também são necessidades clínicas”, destaca.
O simples exercício de sentar e levantar ajuda a fortalecer o tronco, o tórax e o abdômen, e melhora a função pulmonar e o funcionamento do trato gastrointestinal. O movimento e a caminhada também têm impacto positivo no sono, na memória e na redução da ansiedade. “É para isso que servem essas máquinas: para que o condicionamento físico do paciente seja alcançado no menor tempo possível e com maior nível de segurança.”
Modelos da França, China e Coreia
Um dos modelos em negociação é o Atalante X, da francesa Wandercraft. A máquina ganhou destaque neste ano, quando foi testada pela senadora Mara Gabrilli (PSD), e chama a atenção de Battistella por ser leve (cerca de 9 kg), fácil de vestir e adaptável para pacientes de diferentes alturas.
Nos Estados Unidos, o exoesqueleto foi aprovado pela FDA (agência de regulação americana) em dezembro do ano passado, para pacientes com paralisia em um dos lados do corpo em decorrência de AVC (acidente vascular cerebral). A agência estipula que ele pode ser usado em instituições de reabilitação, sob a supervisão de um operador treinado.
Outro equipamento é o exoesqueleto da ExoAtlet, empresa russa adquirida em 2018 por uma companhia sul-coreana. O robô é ajustável a pacientes com 1,5 m a 1,9 m de altura e suporta mais de 100 kg. Segundo a fabricante, sua bateria tem alta capacidade, permitindo um dia inteiro de terapia com apenas uma carga. Ele possui quatro motores (o Atalante tem 12) e sensores que interrompem a marcha em caso de movimentos inesperados.
O quarto exoesqueleto previsto no projeto é o da chinesa Fourier Intelligence. Ao contrário dos anteriores, que têm uma estrutura de contenção do tronco bem definida, ele parece apoiar-se fundamentalmente na parte inferior da coluna, o que pode restringir seu uso a pacientes com lesões medulares mais baixas. Por outro lado, Battistella afirma que seu preço é mais atrativo.
A professora evita falar em valores -“ainda estamos em negociação”- mas diz que as três empresas estão interessadas e aguardam o parecer da comissão de ética para importar os modelos para a pesquisa.
Sonho de levar para casa
Na primeira etapa do estudo, um test-drive das máquinas, a equipe vai comparar a segurança e a aplicação de cada exoesqueleto. Aqueles que apresentarem melhores resultados serão adquiridos. Para isso, Battistella espera contar com recursos da Secretaria de Estado da Saúde, que gerencia a Rede Lucy Montoro, e de agências de fomento.
Na segunda fase, a pretensão é definir qual exoesqueleto é melhor para cada tipo de lesão medular e com quanto tempo de treinamento ele melhora a marcha assistida. “Ninguém está achando que o paciente vai sair correndo, mas queremos apresentar os indicadores da performance dele para ficar de pé, para trocar o passo, e também do condicionamento cardiovascular e da melhora cognitiva.”
A pesquisadora ressalta que nenhum desses modelos foi pensado como uma roupa que o paciente pode vestir e levar para casa, mas ela acredita que esse dia vai chegar e sonha que o traje seja nacional. “Vamos entrar nessa disputa com a ajuda de colegas da Escola Politécnica [Poli-USP]. Temos um percurso pela frente: definir um material leve, o público-alvo, o tempo de treinamento e a segurança”, afirma.
Para ela, ter um modelo nacional representa redução no valor de compra, rápida reposição de peças, desenvolvimento tecnológico e principalmente um novo significado para os pacientes. “Significa qualidade de vida”, defende. “Queremos que as pessoas com deficiência envelheçam com a mesma funcionalidade que adquiriram ao longo do processo de reabilitação, que consigam se manter bem e ativas.”
STEFHANIE PIOVEZAN / Folhapress