Como a geração Z se conecta às novelas a partir do TikTok com memes e atores jovens

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Foi-se o tempo em que falar de novela era tido como papo de comadre. Folhetins como “Vai na Fé” e o remake de “Pantanal”, que extrapolaram a tela da televisão para virar obsessão nas redes sociais, mostram que jovens e adolescentes estão cada vez mais se assumindo noveleiros.

Basta deslizar a página da Globo no TikTok, rede dominada pela geração Z, para ver trechos de novelas exibidas pela emissora com milhões de visualizações. Quem pesquisa por termos ligados aos programas se depara com milhares de compilados de cenas editados e publicados por fãs.

Exemplo de sucesso é a hashtag #kelmiro, referência à paquera entre os personagens Kelvin e Ramiro, de “Terra e Paixão”, que tem mais de 34 milhões de visualizações na plataforma. Mas isso ainda é pouco. Na mesma rede, a hashtag #vainafé, título da novela das sete que chegou ao fim na última sexta-feira, foi vista 3,3 bilhões de vezes.

Criar um perfil para a Globo no TikTok foi uma decisão estratégica. “O público se apropria dos trechos de novelas que publicamos. Mas reforçamos a exibição na TV para que exista um ciclo virtuoso”, diz Leonora Bardini, diretora de programação e marketing da emissora.

Um levantamento feito pelo braço brasileiro do Twitter mostra que, no primeiro semestre do ano passado, 51% das publicações na rede foram feitas por pessoas entre 18 e 24 anos.

A Globo se aproveita disso para fisgar a garotada. Na mesma época, quando estavam no ar os folhetins “Pantanal” “Quanto Mais Vida, Melhor!” e “Além da Ilusão”, os vídeos publicados na rede que levavam hashtags com os títulos das produções foram vistos 13 milhões de vezes.

Hoje, a empresa contabiliza 129 milhões de visualizações em vídeos que são publicados com as hashtags das suas novelas mais recentes –”Amor Perfeito”, “Vai na Fé” e “Terra e Paixão”. Ou seja, o número de cliques cresceu em quase dez vezes de lá para cá.

A Globo precisou de uma repaginada para dialogar com a juventude. Sua logomarca ficou mais colorida e a linguagem nas redes mais informal. “A gente se chama de ‘dona Glô’. A Glô vai fazer 60 anos, mas é muito moderna e atual”, diz Bardini.

É fácil notar que a emissora está mais moderninha. Na sua página do TikTok, há, por exemplo, um vídeo em que os atores principais de “Fuzuê”, a próxima novela das sete, fazem uma dancinha de funk no camarim do Projac.

A vontade de surfar nos memes respinga na trama das novelas. Num capítulo de “Terra e Paixão”, a personagem Berenice grita “attenzione pickpocket”, referência aos vídeos virais em que uma mulher exclama a frase para alertar turistas sobre batedores de carteira na Itália.

“Houve uma renovação da sala de roteiro [na Globo]”, conta Roberto Villamarim, diretor do gênero de dramaturgia da empresa. “Tem muita gente nova escrevendo e trazendo pautas contemporâneas às histórias.”

Para o executivo, boa repercussão nas redes não converte em audiência na TV necessariamente. Mas não é o que mostram os números.

“Vai na Fé”, sucesso máximo do TikTok da Globo, foi assistida por 11% mais pessoas entre 15 e 29 anos que sua antecessora, “Cara e Coragem”. O mesmo aconteceu com “Pantanal” no ano passado, que rendeu vários memes e atraiu 25% mais pessoas jovens que a novela das nove que a antecedeu.

“Vai na Fé” é escrita por Rosane Svartman, que investigou as mudanças pelas quais devem passar os folhetins em seu novo livro “A Telenovela e o Futuro da Televisão Brasileira”, publicado pela editora Cobogó.

“Quando noto audiências ligadas ao universo das novelas dentro de uma plataforma colaborativa [como o TikTok] e o conteúdo longo transformado em curto, vejo um manancial de possibilidades”, diz.

O que é curioso nesse movimento, para a dramaturga, é que as pessoas podem estar criando novas formas de se assistir às novelas da Globo, seja pelos recortes postados pelas redes ou pelo Globoplay, que reúne em seu catálogo folhetins antigos e novos.

“Vai na Fé” fez muito barulho porque toca em temas caros às novas gerações, como saúde mental, descoberta da sexualidade e preconceito.

E também por causa do grande espaço dado na trama ao núcleo de jovens. É o caso de personagens como Yuri, vivido por Jean Paulo Campos, conhecido por fazer o Cirilo de “Carrossel”, da influenciadora Guiga, encarnada por Mel Maia, que tem mais de 21 milhões de seguidores no Instagram, e de Hugo, interpretado pelo funkeiro MC Cabelinho.

A decisão de ampliar a participação de personagens com pouca idade surgiu quando “Malhação” foi encerrada, conta Bardini, a diretora de marketing. “É uma adequação, um aumento da oportunidade do público jovem se ver”, diz ela.

“Vai na Fé” virou sucesso absoluto de faturamento da emissora na faixa das sete, superando a recordista “Cheias de Charme” —novela que virou febre com memes que circulam nas redes há mais de dez anos. Além disso, o folhetim de Svartman coleciona fã-clubes –um deles, no Instagram, tem mais de 250 mil seguidores.

Acompanhar as páginas criadas por fãs ajuda a Globo a imaginar ações de marketing mais descoladas. “É muito legal ver a forma como eles pensam na trama com fanfics”, afirma Bardini, fazendo referência às histórias criadas por fãs baseadas num universo inventado por outra pessoa.

É mais ou menos o que faz o tiktoker Renato Augusto, que lançou uma websérie inspirada na linguagem dos folhetins tradicionais, com quase 70% da audiência composta de pessoas entre 18 e 24 anos. Sua homenagem às novelas atraiu o faro da Globo, que levou o influenciador para ser figurante com outros influenciadores em uma cena da vindoura “Fuzuê”.

Colocar celebridades da internet em frente às câmeras é também uma forma de fazer os olhos da garotada brilharem.

É só lembrar do burburinho que houve nas redes sociais quando a influenciadora Jade Picon foi escalada para “Travessia”. Houve uma repercussão parecida, ainda que em escala menor, quando Larissa Manoela, ex-ídolo teen do SBT, virou protagonista numa novela das seis da Globo.

Para a professora Maria Immacolata, que coordena o Centro de Estudos de Telenovela da Universidade de São Paulo (USP), a chegada das novelas às plataformas de streaming suscita o interesse dos jovens no gênero.

A HBO Max, por exemplo, vai fazer um remake de “Dona Beija”, novela exibida pela TV Manchete em 1986. A Netflix, por sua vez, lançará uma novela com ex-contratados da Globo.

“Os limites entre série e telenovela já não estão mais tão definidos”, diz ela. A pesquisadora usa como exemplo o folhetim “Todas as Flores”, do Globoplay, que tinha cinco capítulos disponibilizados de uma vez semanalmente, um estilo de lançamento mais colado ao dos seriados que das novelas.

Immacolata vê com bons olhos o fato de adolescentes estarem cada vez mais conectados aos folhetins. “É a conquista de outro público, que vai cobrar inovações. Agora há atores pretos protagonistas, além de mulheres atrás das câmeras. O produto não pode ser desligado do público.”

Svartman está curiosa sobre o futuro do gênero. “Já houve várias tentativas de mudanças em novelas, algumas certeiras e outras frágeis. Quais são as fronteiras que a gente tem que testar agora? A novela vai continuar se adaptando, transformando e se reinventando para sobreviver.”

GUILHERME LUIS / Folhapress

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