SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Só estamos tomando paulada, disse um assessor do grupo Stellantis ao atender o pedido de entrevista sobre benefícios tributários. A empresa, que reúne as marcas Jeep, Fiat, Citroën, Peugeot e RAM, é a única das grandes a montar carros na região Nordeste, onde o programa de incentivos fiscais passou por seguidas prorrogações. Após seguidas mudanças, a previsão é de encerramento em 2025. Mas uma possibilidade de mudança despertou a fúria dos concorrentes.
Há planos para estender as benesses até 2032 por meio da inclusão do projeto na reforma tributária. O principal benefício é a redução de 75% no valor a ser pago em imposto de renda. Em 2019, essa redução representou aproximadamente R$ 5 bilhões, segundo cálculo do grupo Stellantis. Mas o valor foi reduzido nos últimos dois anos devido à pandemia.
Em nota, o grupo Stellantis afirma que os benefícios são revertidos para a região. “Nossos estudos mostram que, para cada real de incentivo, retornam outros R$ 5 de arrecadação para o estado e Governo Federal, com impacto social notável, conforme aponta o levantamento conduzido pela consultoria Ceplan a pedido da Fiepe [Federação das Indústrias do Estado de Pernambuco].”
Para respaldar suas queixas, o grupo formado por empresas como GM, Toyota e Volkswagen cita uma auditoria feita em 2020 pelo TCU (Tribunal de Contas da União).
O relatório questiona a efetividade dos incentivos, que gerariam “desigualdades intrarregionais” e seriam questionáveis por trazer prejuízo ao Estado. “A concessão de benefícios tributários, financeiros e creditícios representa perda de receita orçamentária para o Governo Federal, que vem enfrentando sucessivos déficits fiscais desde 2014.”
O trabalho feito pelo TCU, contudo, menciona o período que vai de 2014 a 2018 como base da análise, coincidindo com o início das operações do grupo Stellantis na cidade pernambucana de Goiana.
“Importante lembrar que o regime automotivo do Nordeste foi um projeto de governo que começou a vigorar em 1997, e o polo instalou-se na região em 2015. E, de lá para cá, passou por alterações que visam sua gradativa redução, sendo a última de 40% no total dos incentivos”, diz o comunicado enviado à reportagem pelo grupo Stellantis.
“Ou seja, já existe um movimento de transição. Vale destacar, também, que em função da crise econômica e o impacto da pandemia, houve a retração do mercado.”
A nota afirma ainda que as oscilações do mercado no Brasil interferem no planejamento.
“Quando o projeto começou, a expectativa apontava para 4,5 milhões de veículos vendidos no mercado brasileiro por ano, contra os 2 milhões previstos para 2023, e o número projetado de fornecedores não chegou ao esperado. Hoje, ainda estamos no meio desse processo de consolidação do polo automotivo, por isso a importância de ajustar esse programa à nova situação de mercado.”
Em 1997, quando o programa teve início, as expectativas também eram altas. No início daquele ano, a Anfavea (associação das montadoras) previu que, em 2000, seriam vendidos 2,5 milhões de automóveis no país. Após crises, o resultado ficou em 1,49 milhão de unidades, incluindo veículos leves e pesados.
Vale dizer que outras montadoras fizeram estudos para se instalar nas regiões abrangidas pelo incentivo fiscal. GM, Toyota e Volkswagen fazem parte desse grupo, mas as análises feitas em diferentes épocas e os benefícios oferecidos por outros estados foram mais atraentes. O que não esperavam é que houvesse a prorrogação do programa de redução tributária que favorece a Stellantis.
“O apoio para atração de novos investimentos e geração de emprego e renda é muito importante, principalmente em áreas distantes dos grandes centros, que merecem e precisam se desenvolver com apoio público e privado. No entanto, quando o incentivo se estende por quase três décadas, deixa de ser incentivo e passa ser uma condição permanente, o que distorce o cenário e prejudica a competitividade interna”, diz Fabio Rua, vice-presidente de Relações Governamentais, Comunicação e ESG da GM América do Sul.
Para especialistas do setor automotivo, é necessário estabelecer novos critérios para manutenção de incentivos regionais.
“Conseguimos observar claramente a necessidade de desenvolvimento social das regiões Norte e Nordeste, o que justificaria a manutenção dos incentivos nestas regiões. O incentivo nestes casos estimularia empresas a estabelecerem unidades fabris naquela região, o que geraria emprego, educação, uma maior qualificação do trabalhador e assim, elevaria a renda”, diz Milad Kalume, diretor de desenvolvimento de negócios da consultoria Jato.
“Já para a região Centro-Oeste, a justificativa não seria no aspecto social, mas apenas no industrial. Eu não vejo a necessidade da continuidade de qualquer incentivo, esses recursos poderiam ser direcionados para outras áreas mais sensíveis do governo”, completa Kalume.
Cássio Pagliarini, consultor automotivo da Bright, afirma que deve ocorrer um período de “desmame”.
“Falta uma política de redução gradativa. Se existisse, dificilmente estaríamos fazendo prorrogação sobre prorrogação. Concordo que são necessários incentivos para trazer empresas para regiões mais pobres do país, mas são necessárias políticas que se ajustem às realidades dessas regiões.”
A discussão sobre incentivos afeta diretamente a montadora chinesa BYD, que acaba de anunciar a produção de veículos em Camaçari (BA).
“Se não houver incentivo, não há indústria que queira se instalar fora dos grandes centros de consumo. Mais de 65% da indústria de autopeças está no Sudeste, os grandes centros de consumo estão no Sudeste. Para tornar uma indústria automotiva competitiva, produzindo no Nordeste, são precisos incentivos fiscais”, afirma Alexandre Baldy, conselheiro da BYD.
O executivo diz que, independentemente do resultado da reforma tributária, a montadora chinesa vai manter os R$ 3 bilhões em investimentos para fabricação de carros, caminhões e baterias. A expectativa é de que sejam gerados 5.000 empregos diretos.
EDUARDO SODRÉ / Folhapress