SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Jão cansou de sofrer. Se antes entoava versos como “eu vou te amar como um idiota ama” ao retratar as frustrações de relacionamentos amorosos, agora prefere lamber e ser lambido, como diz em “Me Lambe”, o single de seu novo álbum, “Super”.
O disco marca duas transições na carreira de Jão, de 28 anos –sua consolidação na indústria musical, pouco mais de cinco anos depois das primeiras investidas, com covers no YouTube, e o adeus à sofrência.
Acompanhando uma tendência que se espalhou pelos novos talentos da música pop, de “Vício Inerente”, disco mais recente de Marina Sena, a “Rush”, single de Troye Sivan, Jão ressurge sexy em “Super”.
Um vislumbre disso pode ser visto na capa do disco, em que o cantor abandona os retratos em close-up que estamparam dois de seus álbuns anteriores para tirar a camisa em meio aos cavalos de um pasto.
Mas a maior prova vem das novas composições, que reverberam “Pilantra”, sua parceria com Anitta, lançada em março.
“Amor da minha vida/ em cima do meu colo/ eu te mostro os anjos”, canta Jão em “Alinhamento Milenar”. “Sofá, madrugada, eu pelado, você pelada/ e se der tudo errado, a gente já deu certo”, diz a faixa que vem depois, “Lábia”.
Com a sensualidade, parece ter vindo a autoconfiança. Antes, Jão enchia os pulmões para profetizar que iria morrer sozinho em seu primeiro álbum, “Lobos”. “Em quem você pensa enquanto me beija?”, ele ainda questionava no segundo disco, “Anti-Herói”. Mas agora canta que é lindo e não entende como alguém pode não amá-lo.
Outro elemento que se acentua em “Super” é a fluidez com que ele trata sua orientação sexual. Não da maneira confessional que fez no álbum anterior ao cantar “para todos os meninos e meninas” que já amou, mas ao endereçar letras tanto para o gênero feminino quanto o masculino.
“A bissexualidade não é muito entendida. É questionada até dentro da comunidade LGBTQIA +”, afirma Jão, que no passado foi criticado por não assumir um rótulo.
“Sempre me senti confortável comigo, mas fiquei mais confortável para falar. Entendi que expressar a minha sexualidade era importante para o meu público. Nem sempre vou querer colocar um pronome na música, porque às vezes não precisa ou porque não quero, mas agora fiz.”
As letras, mais otimistas, se alinham às batidas eletrônicas ágeis e dançantes que dominam o lado A do disco -algo que em “Pirata”, o anterior, parecia se chocar com as composições mais melodramáticas.
Mas não é como se Jão tivesse abandonado o tom confessional que fundou sua carreira. No lado B do disco, ele rememora seus conflitos, como em “São Paulo, 2015”, que encontra eco em hits de The Weeknd como “Blinding Lights”.
Nela, Jão versa sobre a crise que enfrentou na cidade depois de vir do interior para estudar publicidade na Universidade de São Paulo. “Cama de qualquer pessoa pra me preencher/ São Paulo é uma droga/ milhares de pessoas num banheiro a padecer/ você vai subir, você vai descer.”
É também no lado B que sua voz surge mais limpa, sem sintetizadores, sobreposta a solos de guitarra e de baixo que sublinham o tom sombrio das composições. Com versos maiores, são canções que, diferente das do lado A, não parecem feitas para viralizar no TikTok.
“Acho legal as músicas simples, feitas para dançar. Mas elas viram um problema quando só temos isso, com as mesmas mensagens e as mesmas batidas. Quero dançar, mas também quero refletir, também quero chorar. Tem uma lacuna disso no Brasil”, diz.
Jão ocupa o espaço que existe entre a chamada nova MPB, que abriga Anavitória, Melim e Vitor Kley, e o pop dançante de figuras como Anitta, Pabllo Vittar e Luísa Sonza.
É uma posição que o levou ao estrelato. No ano passado, quando viu seu número de ouvintes mensais no Spotify saltar de 1,5 milhão para 4 milhões, Jão fez 40 shows, que venderam 250 mil ingressos e renderam R$ 30 milhões. Foi uma das maiores turnês do período, ao lado das de Marisa Monte e Caetano Veloso.
Agora, ele se prepara para sair de casas mais intimistas para ocupar estádios, com uma turnê que terá uma prévia no The Town, em setembro, e começa em São Paulo, no Allianz Parque, em janeiro.
Mas seu principal desafio talvez não seja esse. Ele conta que Lucinha Araújo, mãe de Cazuza, em quem diz se inspirar, ofereceu uma série de letras inéditas para que ele as gravasse pela primeira vez.
“Quero fazer da maneira certa, respeitando a obra dele. Mas já vi uma música que ele nunca gravou e é perfeita, como não poderia deixar de ser”, diz. “Preciso me provar muitas vezes. É uma coisa constante, que vou querer para sempre.”
PEDRO MARTINS / Folhapress