SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Lojistas da região central de São Paulo temem que a proposta da gestão do prefeito Ricardo Nunes (MDB) para isentar do IPTU imóveis de algumas ruas da área conhecida como cracolândia provoque desequilíbrio nos preços praticados no comércio local.
Isso, dizem, pode inviabilizar estabelecimentos que não forem beneficiados, mas são igualmente prejudicados pela crise de segurança. A proposta também desperta entre os empresários a desconfiança de que esta seja uma tentativa de acomodação definitiva dos dependentes químicos nos arredores.
A Câmara paulistana discutirá nesta quarta (16), a partir das 15h, um projeto de lei do Executivo que libera do imposto 947 propriedades em seis ruas entre os bairros Santa Ifigênia e Campos Elíseos. Se aprovada, a isenção valerá para os exercícios de 2024 e 2025.
A dispensa da cobrança foi proposta pela prefeitura para trechos das ruas Guaianases, dos Gusmões, dos Protestantes, Conselheiro Nébias, General Couto de Magalhães e Vitória. Imóveis fechados não terão direito ao benefício.
As ruas mencionadas recebem o chamado fluxo de usuários de drogas desde o final do ano passado, quando autoridades municipais e estaduais iniciaram uma série de operações para tentar dispersar o grupo. A concentração já havia ocupado o atual parque Princesa Isabel -o local deixou de ser praça após receber grades- e, anteriormente, trecho da rua Helvétia próximo à praça Júlio Prestes, onde permaneceu por anos.
Presidente da associação que representa o comércio de eletrônicos da Santa Ifigênia, Joseph Riachi teme que a medida seja uma tentativa de diminuir o descontentamento de moradores, empresários e trabalhadores da região.
“Será que é para o bem ou para o mal? Não vejo motivo para essa isenção, que é apenas para alguns imóveis, a não ser o de que o fluxo vai continuar naquela região”, diz Riachi.
Além do comércio de eletrônicos, a área que reúne lojas de peças e acessórios para motocicletas está entre as mais prejudicadas.
Com queda de aproximadamente 60% nas vendas desde o final de 2022, representantes do segmento afirmam que a isenção de IPTU aplicada a apenas alguns imóveis aumentará o prejuízo dos estabelecimentos excluídos do benefício.
José Renato Bonventi, proprietário de um shopping especializado em motociclismo, teve durante meses a cracolândia instalada na rua em frente ao seu estabelecimento. As duas entradas do imóvel, porém, estão na alameda Barão de Limeira e na avenida São João, que não estão no projeto. Com quase metade das lojas fechadas e queda de faturamento ainda maior, o centro de compras continuará a pagar imposto de aproximadamente R$ 300 mil ao ano.
“O cara que está a vinte metros do fluxo não vai receber isenção, enquanto a loja vizinha não vai pagar IPTU. Isso vai se refletir nos preços e não haverá condição de igualdade”, afirma Bonventi.
Alternativa avaliada pelos comerciantes e que será levada aos vereadores é a ampliação do perímetro beneficiado e a criação de um desconto progressivo no IPTU, conforme a distância dos locais de onde o fluxo costuma se concentrar, segundo Mario Kamei, presidente da Associação dos Lojistas das Ruas das Motos.
“A nossa sugestão, ainda em fase de estudos, é que dê dois anos [de isenção] para quem está mais perto e um ano para os mais afastados. Além disso, que os comércios mais próximos ao fluxo [a concentração de usuários de droga] sejam contemplados com 100% de desconto e, para os do entorno, 50%”, explica.
Líder da base do prefeito Ricardo Nunes na Câmara, o vereador Fábio Riva (PSDB) afirma que a escolha das ruas é resultado do monitoramento da prefeitura.
“O projeto nasce em cima de estudos sobre o monitoramento do fluxo. O Executivo estudou e chegou a essas seis ruas para encaminhar isso para a Câmara, inclusive imóveis que não estavam abertos ou fechados, sem finalidade social, foram excluídos do projeto”, afirma o vereador.
Riva disse que a Câmara ouvirá as sugestões dos comerciantes e, se considerar viável, fará modificações no projeto. Ele destacou, porém, que o custo para os cofres públicos para isentar apenas os 947 imóveis inicialmente contemplados é de R$ 9 milhões em dois anos. “É por isso que precisamos tratar essa discussão com muita responsabilidade”, comenta.
Ele também refutou a afirmação de que a medida busca a acomodação da cracolândia. “Em nenhum momento pensamos em acomodar a cracolândia, nós temos é que acabar com a cracolândia, oferecer internação a quem precisa e prender criminosos”, diz Riva.
Há acordo para aprovação da proposta na sessão desta quarta, para que o projeto comece a tramitar, segundo o vereador.
Duas audiências públicas estão previstas: para a próxima sexta-feira (18) e para o dia 24 deste mês, quando a população poderá discutir sugestões para o projeto.
Uma terceira audiência ainda poderá ser marcada. Se esse cronograma se confirmar, a segunda e definitiva votação ocorrerá ainda na última semana de agosto.
Procurada pela reportagem para comentar as críticas dos comerciantes, a Prefeitura de São Paulo respondeu que “o projeto de lei citado foi encaminhado ao Poder Legislativo para que seja discutido com a sociedade de forma transparente e democrática”.
CLAYTON CASTELANI / Folhapress