SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A dois dias do fim do contrato de concessão, o futuro da BR-040 no trecho entre Juiz de Fora (MG) e Brasília segue indefinido. Administrada pela Invepar, a rodovia batizada de Via 040 está em processo de relicitação e a devolução do ativo à União está marcada para esta sexta-feira (18).
Em meio a um impasse entre a empresa e a ANTT (Agência Nacional de Transportes Terrestres), a decisão sobre um novo adiamento desse prazo foi parar na Justiça, que decidirá na sexta –último dia de contrato– se a concessionária deve ou não seguir prestando serviços por mais alguns meses.
Caso a Invepar devolva a Via 040, as 11 praças de pedágio serão desativadas, e os serviços mecânicos, de conservação, monitoramento e emergência deixarão de ser prestados. O trecho, então, passaria a ser administrado pelo Dnit (Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes).
Com 936 quilômetros de extensão, a rodovia foi concedida em 2014 por um período de três décadas. No entanto, pouco mais de três anos depois, em 2017, a Invepar anunciou que entraria com um pedido de relicitação, que é a devolução amigável do ativo para que um novo leilão seja feito pelo governo. O pedido foi aprovado em 2019.
Em seu site, a Via 040 afirma que, desde o início da operação, vem enfrentando um quadro desafiador e diferente do período que antecedeu o leilão, realizado em 2013.
“As condições de financiamento bancário para investimentos foram modificadas, houve atrasos e fragmentação na emissão das licenças ambientais para execução de obras e, além disso, a redução significativa da atividade econômica brasileira afetou diretamente o tráfego de veículos e passageiros”, diz o comunicado.
A companhia ainda alega prejuízo financeiro e diz que, entre o início da concessão e dezembro de 2020, perdeu R$ 1,1 bilhão.
Com o caixa devastado, a concessionária deixou uma série de obrigações não cumpridas. Dos 557 quilômetros previstos em edital para serem duplicados, por exemplo, apenas 73 quilômetros foram executados.
Em 2020, após aderir ao programa de relicitação, a Via 040 assinou um termo aditivo de contrato, estabelecendo um novo prazo para a empresa seguir administrando a rodovia.
A expectativa era que nesse período o governo fizesse estudos de modelagem e estabelecesse as condições para realizar um novo leilão transferindo a BR-040 para outra concessionária.
Mas isso não ocorreu e, dois anos depois, em fevereiro de 2022, a ANTT aprovou a prorrogação do termo aditivo por 18 meses, com prazo final para 18 de agosto de 2023.
Faltando menos de 20 dias para a data-limite, e sem uma nova licitação a vista, o MPF (Ministério Público Federal) ajuizou uma ação civil pública em 1º agosto pedindo que a Via 040 seja obrigada a dar continuidade aos serviços essenciais até a conclusão do processo de relicitação.
A intenção é evitar o abandono do trecho. Na avaliação do MPF, o encerramento das relações contratuais é ilícito e pode prejudicar o patrimônio público e os direitos dos usuários da rodovia.
Para tentar chegar a uma solução consensual, uma audiência com a Invepar e a ANTT foi marcada para o último dia 10, na Justiça Federal, em Belo Horizonte. Mas a reunião terminou sem acordo.
Uma segunda tentativa de audiência ocorreu na tarde desta quarta-feira (16) –novamente sem consenso.
De acordo com uma pessoa envolvida diretamente nas negociações, a proposta da concessionária foi: usar R$ 125 milhões em tarifa amortizada para custear a prestação de serviços por mais seis meses (até fevereiro). A ANTT teria recusado.
Com o impasse, a decisão sobre o futuro da Via 040 será tomada pelo TRF (Tribunal Regional Federal) da 6ª Região até a sexta.
A expectativa de envolvidos é que a Justiça acate o pedido do MPF para que a concessionária permaneça por mais alguns meses.
Procurada, a Invepar disse que não comenta processos que tramitam na Justiça.
Em nota, a ANTT disse que a audiência promovida pelo MPF não resultou em acordo, mas que continua mantendo diálogo com a concessionária sobre a gestão da rodovia.
“A agência ressalta que, tão logo houver uma decisão sobre a condução do trecho, a informação será amplamente divulgada.”
BR-040 É UMA DAS CONCESSÕES PROBLEMÁTICAS
A Via 040 é um dos ativos de infraestrutura que vêm sendo chamados de “concessões estressadas”. Nessa lista, estão aeroportos, rodovias e ferrovias que passaram a ser administrados pela iniciativa privada nos últimos anos e hoje apresentam desequilíbrio financeiro grave, que praticamente inviabilizam a operação.
Fazem parte desse grupo os aeroportos do Galeão, no Rio de Janeiro, e de Viracopos, em Campinas. Também estão em relicitação a ferrovia Rumo Malha Oeste, e outras quatro rodovias: Arteris Fluminense, Eco101, MSVia e Concebra.
Boa parte dos ativos estressados foi concedida à iniciativa privada durante o governo da presidente Dilma Rousseff (PT). No caso das estradas, a maioria dos ativos problemáticos foi leiloada na chamada terceira etapa do programa de rodovias.
Empresários e especialistas apontam que as concessões dessa época acabaram sendo frustradas pela crise financeira iniciada em 2014, pela Operação Lava Jato, e principalmente por problemas na modelagem dos contratos –que exigiam investimentos volumosos dos operadores num prazo curto e antecipavam uma demanda muito maior do que veio a se concretizar.
“Falava-se em duplicação de ponta a ponta num curto espaço de tempo, isso também levava o fluxo de caixa desses projetos a ficar muito vulnerável às mudanças macroeconômicas. E essas mudanças vieram”, diz Marco Aurélio de Barcelos, diretor-presidente da ABCR (Associação Brasileira de Concessionárias de Rodovias).
O mecanismo da relicitação –sancionado em 2017 e regulamentado em 2019– foi uma forma de tentar resolver o problema desses ativos. Por meio dele, o governo federal pode estabelecer condições para que um novo leilão seja feito. Até lá, a concessionária deve permanecer à frente do contrato.
No entanto, a relicitação tem se mostrado um instrumento complexo e demorado. Desde que a lei foi aprovada, apenas um ativo passou por esse processo: o aeroporto de Natal, em maio deste ano.
Para tentar resolver o problema das concessões estressadas de forma mais célere, o governo quer evitar esse caminho. A solução desejada é renegociar os termos dos contratos com os próprios administradores, para que eles permaneçam à frente dos negócios.
Essa alternativa ganhou legitimidade jurídica nas últimas semanas, quando o TCU (Tribunal de Contas da União) autorizou que operadores podem desistir de devolver suas concessões. Na prática, a decisão autoriza soluções alternativas caso haja consenso entre governo e empresas.
O Ministério dos Transportes, inclusive, já tem quatro grupos de trabalho para discutir saídas consensuais para rodovias. O tema é considerado prioridade pela pasta e a intenção é trazer os contratos para a regularidade, permitindo a retomada de investimentos que hoje estão parados.
RODOVIAS FEDERAIS EM RELICITAÇÃO
Autopista Fluminense
Concessionária: Arteris
Extensão do trecho: 320 km
Concedido em: 2008
Prazo de concessão: 25 anos
Eco101
Concessionária: Ecorodovias
Extensão do trecho: 475,9 km
Concedido em: 2013
Prazo de concessão: 25 anos
MSVia
Concessionária: CCR
Extensão do trecho: 847,2 km
Concedido em: 2014
Prazo de concessão: 30 anos
Via 040
Concessionária: Invepar
Extensão do trecho: 936,8 km
Concedido em: 2014
Prazo de concessão: 30 anos
Concebra
Concessionária: Triunfo
Extensão do trecho: 1.176,5 km
Concedido em: 2014
Prazo de concessão: 30 anos
Fonte: ANTT (Agência Nacional de Transportes Terrestres)
THIAGO BETHÔNICO / Folhapress