Livros picantes com capas fofas são febre entre adultos que querem sexo e romance

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Um casal de jovens adultos está sozinho no banco de trás de um carro. Entre beijos e passadas de mão em partes íntimas, o clima vai esquentando, até que Nathan desliza a mão por dentro da calcinha de Anastasia.

“Meu corpo inteiro paralisa, meus olhos se arregalando ao mesmo tempo que Nathan tira os dedos da minha boca e solta minhas pernas para eu poder fechá-las.”

É com a descrição minuciosa de um orgasmo, em que o leitor tem a impressão de estar nos pensamentos da protagonista, que se dá a segunda cena de sexo entre Nathan e Anastasia, em “Quebrando o Gelo”, de Hannah Grace, que está há 24 semanas no topo da lista de mais vendidos do New York Times.

O livro é do gênero “new adult”, ou “novo adulto”, romances recheados de cenas picantes que são destaque de vendas para as editoras, com uma legião de leitores fiéis no TikTok –a hashtag #smuttok, originada da palavra “obsceno” em inglês, acumula 5 bilhões de visualizações.

É o caso também de “Vermelho, Branco e Sangue Azul”, romance gay que ganha as telas em adaptação para o cinema após o sucesso nas redes sociais.

Mas se há dez anos as capas de livros com conteúdo erótico tinham fotos insinuantes de casais se agarrando, corpos seminus ou objetos que deixavam espaço para interpretações –como a gravata, máscara e algemas da série de “Cinquenta Tons de Cinza”– hoje as capas de livro que misturam romance e sexo têm ilustrações coloridas, românticas, fofas e até inocentes.

Apesar das capas com ilustrações serem uma tendência gráfica hoje, elas caíram como uma luva no caso do “new adult”. “É um conteúdo quente com a capa que engana. Apesar de livros digitais manterem capas insinuantes, se você está lendo um livro físico em um trem, num avião, na faculdade ou no trabalho, é outra história” diz Ana Lima, editora da Rocco.

Mas o visual mais sofisticado, que aposta nos tons pastel e nos desenhos fofinhos, não está ligado apenas à intenção de passar batido em locais públicos. Segundo Lima, a estética conversa com o conteúdo dos romances. “São comédias românticas com sexo. As histórias têm sempre um final feliz”, diz.

Para Marina Castro, editora do selo Paralela da Companhia das Letras, os desenhos lembram pôsteres do gênero, permitindo uma conexão imediata com quem procura esse tipo de história.

O principal público do estilo literário são adultos na faixa dos 20 e 30 anos, que leram “Crepúsculo” na adolescência e, agora, não querem apenas drama e romance, mas também erotismo.

Um bom exemplo é a primeira fez que Anastasia e Nathan transam, depois de 70 páginas de tensão sexual e provocações entre os dois que, em tese, não vão com a cara um do outro.

“Ele me chupa e me faz sentir como se estivesse flutuando. […] Passo as mãos pelo cabelo dele para me apoiar em algo, e ele solta um gemido do fundo da garganta. Sinto as borboletas no meu estômago se multiplicarem”, narra Anastasia.

“No ‘new adult’, os protagonistas precisam pagar boletos, ir para a faculdade, mas o foco é no romance”, diz Frini Georgakopoulos, editora da Arqueiro, que publica no Brasil várias autoras do gênero, entre elas, Ali Hazelwood, que também ficou no topo da lista do New York Times com “A Hipótese do Amor”.

Georgakopoulos relaciona o sucesso do gênero às sensações que ele desencadeia nos leitores. “Você quer ler esse drama, o novelesco que na vida real você não quer porque dá muito trabalho”, diz, em tom de brincadeira.

“As narrativas são muito focadas na emoção, fazem você se apaixonar por um personagem, passar pano para outro, debater isso com outros leitores. É uma carga emocional meio catártica.”

As ricas descrições de pensamentos e emoções, geralmente em primeira pessoa, somadas ao ciclo narrativo -os personagens que eram inimigos ou amigos se tornam amantes- apontam que o “new adult” é a evolução das fanfics.

O termo se refere a histórias escritas por fãs com base em livros, músicas, filmes e séries previamente lançados, com continuações ou alterações em relação ao enredo das obras originais, geralmente compartilhadas em fóruns na internet.

Muitas autoras começaram autopublicando seus livros e, após a boa recepção nas redes sociais, chamaram a atenção de casas editoriais. “Na cultura da fanfic, a arte feita por fãs é muito popular, que é a ilustração da cena escrita”, diz Georgakopoulos.

Não por acaso, algumas autoras de livros “new adult” já escreveram fanfics e, depois de terem sua história publicada por uma casa editorial, decidiram ter sua capa desenhada pela mesma artista que ilustrava suas historinhas virtuais.

É o caso de Hazelwood. A ilustradora de “A Hipótese do Amor” prefere se identificar com seu usuário do Twiiter, Lilithsaur, usado também para creditar sua obra na contracapa do livro.

“Eu gostei tanto da fanfic da Ali que fiz um pequeno desenho baseado na cena em que a protagonista feminina, em um movimento induzido pelo pânico, beija o protagonista masculino. Isso foi em 2018, jamais imaginaria que anos depois seria capa de um best-seller”, diz à reportagem.

“Principalmente para as mulheres, escrever e compartilhar histórias fictícias sobre personagens se tornou uma forma de fuga da nossa realidade diária. Se você já leu alguma fanfic, vai notar que a maioria tem conteúdo explícito. A primeira vez que ouvi o termo ‘new adult’ foi em 2018, que coincide com o momento em que escritores da minha geração começam a ser publicados”, afirma a ilustradora de 37 anos.

Já no caso de “Quebrando o Gelo”, a capa foi uma encomenda direta de Hannah Grace para a ilustradora americana Leni Kauffman, responsável por diversas capas do gênero “new adult”.

Ela conta que sempre há uma calibragem minuciosa dos editores para que as capas “sejam atraentes, mas sem ser muito sexy”. Afinal, os leitores querem ter certeza que estão comprando um romance leve e com final feliz -além, é claro, de poder ler cenas quentes no metrô.

ALESSANDRA MONTERASTELLI / Folhapress

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