SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Grande parte dos perfis no Twitter que postaram em apoio à tentativa de golpe do 8 de janeiro diziam ser empresários ou empreendedores, embora fossem, na realidade, trabalhadores autônomos.
Entre as mulheres, muitas usavam palavras positivas em sua descrição do perfil: “batalhadora”, “esperança”, “abençoada”. Já os homens se identificavam por oposição -“anti-Lula”, “contra a esquerda” e “contra o comunismo”.
A partir de levantamento com quase 90 mil contas do Twitter, estudo mapeou o perfil das pessoas que publicaram pedidos de golpe, intervenção militar ou apoio aos ataques de 8 de janeiro em Brasília. Os dados foram coletados de 30 de dezembro de 2022 a 9 de janeiro de 2023.
Ao analisar a descrição dos usuários em suas contas de Twitter e links para sites pessoais, os pesquisadores encontraram uma linguagem comum nesse ecossistema bolsonarista que vai além da identidade como cristãos, de direita, conservadores, patriotas e defensores da família e do direito ao porte de armas.
Muitos dos apoiadores do 8/1 se descrevem como empreendedores ou empresários, mas são, na realidade, trabalhadores autônomos: manicures, cabeleireiras, vendedores, eletricistas, como se verificou na análise qualitativa dos sites pessoais.
“Essa imagem de que os apoiadores do golpe eram integrantes da elite, empresários, empreendedores, não é exata -na realidade, ao se examinar, vemos que muitos são autônomos, longe de serem ricos”, diz Rosana Pinheiro-Machado, diretora do Digital Economy and Extreme Politics Lab na University College Dublin.
Ela é coautora do estudo, ao lado de Debora Diniz, professora da UnB, e Fábio Malini, da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), além dos pesquisadores Athus Cavalini, da Ufes, e Wagner Silva Alves, de Dublin.
Rosana afirma que se autodenominar empresário ou empreendedor é um fenômeno com fundo político e religioso, uma rejeição da identidade trabalhadora em favor de uma ideologia de livre mercado e ética da prosperidade pregada pelas igrejas neopentecostais.
Débora diz que não foi encontrada no estudo presença significativa de usuários de Twitter que se identificam como militares ou policiais.
“Mas isso não necessariamente significa que eles não tenham uma presença forte entre os disseminadores de apoio ao golpe, mas, sim, que temem punição, não podem se expor.”
No Twitter, as mulheres se mostravam mais devotadas ao ex-presidente Bolsonaro, e os homens, mais anti-Lula: 13% das mulheres e 9% dos homens incluíam o nome Bolsonaro em sua descrição, enquanto 1,5% dos homens e 0,1% das mulheres mencionavam ser contra o presidente Lula.
“Achávamos que, entre as mulheres, iríamos encontrar menções a figuras femininas de direita, como a senadora Damares Alves [Republicanos-DF] e a ex-primeira-dama, Michelle Bolsonaro, mas não se concretizou”, diz Rosana.
As mulheres tendem a enfatizar emoções positivas em suas descrições: “realizada”, “feliz”, “abençoada”, “trabalhadora”, “lutadora” e “superando obstáculos” e “esperança” foram as palavras mais frequentes. Isso não aparecia nas contas que se identificavam como homens, que normalmente diziam amar “Jesus”, “família”, “Brasil” e times de futebol.
Isso se contrapõe a características da extrema direita americana e europeia, que se destaca por emoções negativas entre os homens, normalmente raiva e ressentimento (contra imigrantes, globalização).
“No Norte Global, temos a figura do ‘angry white man’, o homem branco revoltado, de uma classe média empobrecida”, diz Rosana.
No estudo, aparece essa figura da mulher de direita do Sul Global, com ênfase em ser batalhadora, ter esperança, trabalhar duro. “Já os homens apoiadores do golpe se identificam por oposição – não sou de esquerda, não sou comunista, anti-Lula, anti-ideologia de gênero.”
Seguindo a tradição de Olavo de Carvalho, o guru do bolsonarismo que morreu em 2022, muitos usuários se descrevem como historiadores, filósofos, astrofísicos amadores.
Entre eles, as carreiras mais citadas (muitos mencionaram mais de uma profissão) eram negócios, finanças e comércio (18%), engenharia (12%) e Direito (10%).
Já entre as mulheres, a maioria se identificava como advogada (18%), empresária/empreendedora (12%), administradora (12%), mas sempre acrescentavam informações pessoais como “mãe” (20,5%) e “casada” (7,3%). Só 7,7% dos homens se descreviam como “pai” e 2,1% como “casado”.
Nesse universo, os políticos mais retuitados, tanto por mulheres como por homens, eram o ex-presidente Jair Bolsonaro e os deputados federais Nikolas Ferreira (PL-MG) e Gustavo Gayer (PL-GO).
Já os sites mais compartilhados eram o Terra Brasil Notícias, Revista Oeste e Jornal da Cidade Online, que tiveram conteúdos classificados como falsos por agências de checagem e foram desmonetizados por plataformas de internet.
PATRÍCIA CAMPOS MELLO / Folhapress