Movimento ‘woke’ entrou em declínio nos EUA, indicam pesquisas

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O governador da Flórida, Ron DeSantis, candidato à nomeação do Partido Republicano para concorrer à Casa Branca no ano que vem, costuma se promover com uma bandeira: o estado que lidera, afirma ele, é onde a chamada cultura “woke” morre.

Desde que chegou ao poder, o conservador capitaneou uma série de medidas para cercear ideias sobre gênero e raça associadas à esquerda em escolas e empresas —ao mesmo tempo, faz ouvidos moucos para acusações de autoritarismo. Assim, espera se cacifar para ser o republicano a enfrentar Joe Biden.

Mas pode ser que o bicho-papão dos republicanos não seja uma fera tão grande assim. Ou que, ao menos, esteja com os dias contados. Dados recentes sugerem que a onda “woke” —em geral, o termo é traduzido como “politicamente correto”— pode já ter atingido o pico de atividade e estar no início de um declínio.

Quem tem sustentado essa ideia é o sociólogo Musa al-Gharbi, ligado à Universidade Columbia, de Nova York. Ele, que deve publicar ainda neste ano o livro “We’ve Never Been Woke” (nunca fomos “woke”), argumenta que o enfraquecimento desse tipo de ativismo se baseia em pesquisas que, isoladamente, seriam evidências anedóticas, mas que, juntas, apontam para uma mudança de cenário.

Uma consulta a plataformas de artigos acadêmicos, feita pelo próprio al-Gharbi, mostra que a curva com o número de pesquisas sobre discriminação de raça e gênero passou a apontar para baixo —depois de mais de 20 anos de crescimento. Já um levantamento da Fire (Foundation for Individual Rights and Expression), que advoga pela liberdade de expressão em universidades americanas, mostra uma queda no ano passado nos ataques a professores por motivos ideológicos e também nos casos de cancelamento.

Na série histórica, a esquerda lidera tentativas de punições a professores (52% desde o ano 2000). Mas, no ano passado, foram 72 casos ligados a esse campo político, contra 70 da direita, quase um empate.

“A maior alta que tivemos foi em 2016, após a eleição de Trump, na esquerda e na direita”, diz Komi Frey, diretora da Fire. “Mas temos que ver o que acontece nos próximos anos para analisar se a cultura do cancelamento está mesmo em declínio. Se Trump for reeleito, pode ser que vejamos uma nova onda.”

Só neste ano, três instituições de ensino americanas tomaram medidas consideradas simbólicas contra ações de alunos. A reitora de Stanford, por exemplo, passou um sabão em estudantes que interromperam a palestra de um juiz em março. A Universidade Cornell, por sua vez, recusou-se a colocar “alertas de gatilho” em ementas, afirmando que isso viola a liberdade de ensino dos professores. E Harvard terá um Conselho da Liberdade Acadêmica, dedicado à “diversidade intelectual”.

O que aparece na imprensa americana também é um bom termômetro. Um artigo do cientista de dados David Rozado, doutor em ciência da computação pela Universidade Autônoma de Madri, analisou a frequência de palavras associadas a temas políticos e de identidade no jornal americano The New York Times desde a década de 1970. Depois de um pico nos anos 2010, palavras e expressões como raça, racismo, sexismo, misoginia, privilégio branco e outras passaram a ser menos usadas.

Sinais de uma mudança de clima também aparecem em áreas mais difíceis de quantificar. Os novos rumos promovidos por Elon Musk no X, o ex-Twitter, por exemplo, são vistos com simpatia pela direita ao reativar as contas de Donald Trump e de outras figuras. Já na Netflix, dois anos atrás, funcionários protestaram contra o show de comédia de Dave Chappelle na plataforma –e não só não receberam um pedido de desculpas, algo comum antes, como ouviram que, se estivessem infelizes, deveriam se demitir.

Ainda nesse universo corporativo, dados do Wall Street Journal mostraram redução de 75% nos anúncios de emprego para diretor de diversidade em empresas, cargo que havia se popularizado na última década.

Sob pressão dos republicanos nesse tema, há quem precise anunciar um recuo tático. É o caso da guerra entre DeSantis e Disney, que protestou contra as medidas do governador sobre questões de gênero em escolas. Os conservadores votaram para suspender benefícios que a empresa tem no estado, e a Disney processou DeSantis —mas, de todo modo, o novo CEO da companhia já disse que quer baixar a fervura.

“Sou simpático à ideia de que já vimos o pico desse debate”, diz Oliver Stuenkel, professor de relações internacionais da FGV-SP. “O discurso anti-woke é importante no Partido Republicano para mobilizar a base. Já no Democrata, há uma tentativa de se reaproximar da classe trabalhadora, que via os democratas com bons olhos, mas que se deslocou para Trump. Vejo Biden com foco em questões econômicas.”

O último levantamento feito pelo New York Times com o Siena College, de julho, mostra que mesmo os conservadores podem ter superestimado a importância desse tema para seus eleitores: 65% dos republicanos disseram preferir um candidato com foco em “lei e ordem”, contra 24% a favor de um que lute contra a “ideologia woke”. Talvez não seja à toa que DeSantis não tenha conseguido decolar nas primárias. Na mesma pesquisa, ele aparece com 17% das intenções de voto. Donald Trump tem 54%.

MAURÍCIO MEIRELES / Folhapress

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