Ruy Guerra: história das músicas “Tatuagem” e “Bárbara”

Hoje, um dos maiores grandes compositores da nossa música popular brasileira completa 92 anos: o luso-brasileiro Ruy Guerra, autor de canções como “Tatuagem” e “Bárbara” junto com Chico Buarque.

E, para homenagear o aniversariante do dia e seguir homenageando grandes compositores da nossa MPB – que são tão importantes e têm uma contribuição tão significativa quanto cantores, intérpretes e músicos – nós damos continuidade à série Saudando Grandes Compositores da MPB, em que contamos a história de grandes clássicos das carreiras desses artistas.

Ruy Guerra foi o primeiro cineasta do grupo do Cinema Novo a filmar fora do Brasil | Foto: Acervo Arquivo Nacional

Ruy Guerra

Poeta, letrista, cineasta e dramaturgo, Ruy Guerra nasceu em 1931, em Moçambique, então colônia africana portuguesa às margens do Oceano Índico.

Desde jovem foi um apaixonado pela palavra e pela imagem. Escreveu poesias, contos, críticas cinematográficas e filmou um documentário sobre o cotidiano dos trabalhadores das docas desse importante porto da África Austral. 

Aos 20 anos, foi para Paris, onde se formou cineasta. Desembarcou no Rio de Janeiro em julho de 1958 e fez do Brasil seu país de adoção. Radicou-se por aqui e seus dois primeiros filmes – Os Cafajestes (1962) e Os Fuzis (1964, Urso de Prata de Berlim) – logo o tornaram conhecido no cenário cinematográfico brasileiro e mundial.

Foi o primeiro cineasta do grupo do Cinema Novo a filmar fora do Brasil (na França, em 1968). 

No Rio de Janeiro dos anos 60 e 70, foi parceiro letrista de jovens músicos que iniciavam suas carreiras e que – pouco depois – tornaram-se grandes nomes de nossa música, como, por exemplo: 

  • Edu Lobo, com quem compôs – entre outras – as canções Aleluia (1965, gravada por Edu, Elis Regina e Nara Leão, com quem Ruy Guerra foi casado por um tempo); Reza (1964, gravada por Edu, Baden Powell e por Elis); e Canção da Terra (1964, também gravada por Nara e Milton Nascimento);
  • Francis Hime, com quem compôs – entre outras – as canções Minha (1966, gravada por nomes como Elis Regina, Ivan Lins e Wilson Simonal) e Por Um Amor Maior (1965, gravada por Elis);
  • Milton Nascimento (com quem escreveu, entre outras, Cadê, em 1973, gravada por Milton e por Gal Costa; e Canto Latino, de 1971);
  • Sérgio Ricardo (com quem compôs Esse Mundo é Meu, de 1964, gravada por nomes como Elis, Nara e Jair Rodrigues);
  • Chico Buarque (com quem compôs – entre outras – Bárbara, de 1972, gravada por Chico, Caetano Veloso, Ângela Ro Ro e Maria Bethânia); Fado Tropical (de 1973, gravada também por Clara Nunes); Não Existe Pecado ao Sul do Equador (de 1973, gravada por nomes como – além de ChicoNey Matogrosso e MPB-4); e Tatuagem (de 1973, sucesso na voz de Elis Regina, mas também gravada por Elizeth Cardoso, Maria Bethânia, Nara Leão e pelo próprio Chico).

Com Chico Buarque, Ruy Guerra ainda escreveu e dirigiu o musical Calabar: o Elogio da Traição, proibido pela censura da ditadura militar, em 1973, e que só pôde entrar em cartaz na década de 80; e filmou o musical A Ópera do Malandro, em 1985. 

Chico Buarque e Ruy Guerra também fizeram juntos a canção Sonho Impossível, uma versão do clássico The Impossible Dream, do espetáculo musical da Broadway O Homem de La Mancha, composta por Joe Darion e Mitch Leigh. A versão brasileira fez muito sucesso na voz de Maria Bethânia.

Em 1980, Guerra regressou a Moçambique, então já independente, para rodar Mueda, Memória e Massacre, primeiro longa-metragem da história do país. Viveu ainda em Cuba e rodou o mundo atrás de sua paixão por filmar, mas – em meados de 1990 – voltou a se fixar no Rio de Janeiro, onde vive até os dias atuais.

Saudando Grandes Compositores da MPB

E é da parceria com Chico Buarque que escolhemos as duas músicas que contaremos a história hoje: Tatuagem e Cala a Boca, Bárbara. Ambas foram compostas para o espetáculo Calabar: o Elogio da Traição, em 1973.

A história da música “Tatuagem”, de Ruy Guerra e Chico Buarque

A canção foi escrita pela perspectiva feminina (algo muito comum nas composições de Chico Buarque, que faz isso com maestria) e apresenta a vontade de se fixar, se entranhar no corpo amado do outro, “feito tatuagem”, tamanho é o amor ou a paixão.

Mas a metáfora da tatuagem também pode ser interpretada como algo eterno, fixo, imutável, permanente. Como o desejo de ser posse do outro, ou de tomar posse do outro. De ser “dona” daquele outro corpo, estabelecendo uma relação obrigatória de fidelidade entre os amantes.

A música também usa de outras expressões que remetem a essa relação – talvez nada saudável – entre os amantes, como “me perpetuar em tua escrava” e “pesar feito cruz nas tuas coisas”, “cicatriz risonha e corrosiva”, “carne viva”.

Uma das versões mais reconhecidas da canção foi gravada por Elis Regina no aclamado álbum Falso Brilhante, lançado originalmente em 1976.

Em 1990, Maria Bethânia – que já havia gravado a canção lá em 1973, no também antológico álbum Drama – 3º ato, a regravou no álbum Simplesmente.

Tatuagem foi regravada por outros grandes nomes da nossa música, como:

  • Elizeth Cardoso;
  • MPB-4;
  • Quarteto em Cy;
  • Djavan;
  • Nara Leão;
  • e Maria Rita.

A história da música “Bárbara”, de Ruy Guerra e Chico Buarque

Bárbara, canção escrita por Chico e Ruy Guerra para essa mesma peça, foi a primeira música brasileira a falar abertamente sobre uma relação homoafetiva entre duas mulheres.

Na peça, ela é cantada por Bárbara – viúva de Domingos Fernandes Calabar – e Anna de Amsterdam, prostituta holandesa com quem Bárbara tem um relacionamento. 

Para contextualizar: a peça fala da invasão holandesa no Brasil em 1630 e a disputa pelo controle do açúcar (na época, quase uma moeda forte em se tratando de negociações entre os países) em Pernambuco, questionando a posição do alagoano Domingos Fernandes Calabar, que inicialmente fazia parte das tropas portuguesa, mas que, segundo a história, ficou do lado dos holandeses, indo contra a coroa. Por isso recebeu a alcunha de “traidor” e foi torturado, enforcado e esquartejado. 

Calabar: o Elogio da Traição discute a “traição” em questão, usando os elementos da história para revelar a época que o Brasil vivia, criando conexões com agentes da Ditadura Militar. 

Bárbara é um dueto cantado pelas duas mulheres, que evidencia uma relação amorosa entre elas, em uma das cenas mais poéticas da peça: onde as duas cantam abraçadas de joelhos, sujas pelo sangue de Calabar.

Na época, a censura, além de mudar o nome original da canção – que era Anna e Bárbara –  mudou o trecho “Vamos ceder enfim à tentação / Das nossas bocas cruas / E mergulhar no poço escuro de nós duas”, cortando o final “de nós duas”, e só deixando: “E mergulhar no poço escuro”.  

Mas, curiosamente, na gravação da canção lançada por Chico no álbum de 1973, conseguimos ouvir o “S” final, provavelmente deixado de propósito.

Depois, Bárbara foi regravada por nomes como Maria Bethânia, Gal Costa e Ângela Ro Ro.

​​Gostou de saber mais sobre as histórias de grandes canções da nossa música popular brasileira? Continue acompanhando a nossa série Saudando Grandes Compositores da MPB. Hoje, homenageamos o aniversariante Ruy Guerra.

Por: Lívia Nolla

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