BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – A 10ª Vara da Justiça Federal de Brasília condenou nesta segunda-feira (21) Walter Delgatti Neto, conhecido como hacker da Vaza Jato, a 20 anos de prisão, mais multa, pelo caso da invasão do Telegram de autoridades, em 2019.
A decisão é do juiz Ricardo Augusto Soares Leite, que condenou ainda outras seis pessoas. Os crimes atribuídos ao hacker são os de invasão de dispositivo informático, organização criminosa, lavagem de dinheiro e interceptação de comunicações.
Cabe recurso da decisão do juiz.
Delgatti foi preso em 2019 na Operação Spoofing por suspeita de invadir contas de autoridades no Telegram, entre elas de integrantes da força-tarefa da Lava Jato e do ex-juiz Sergio Moro, responsável pelos julgamentos em Curitiba.
As mensagens trocadas com o ex-procurador Deltan Dallagnol mostraram uma relação alinhada entre Ministério Público e juiz, o que foi decisivo para a derrocada da operação, anos depois.
Delgatti admitiu à PF que entrou nas contas de procuradores da Lava Jato e confirmou que repassou mensagens ao site The Intercept Brasil, que revelou o caso posteriormente conhecido como Vaza Jato.
O hacker depôs na semana passada na CPI do 8 de janeiro e na Polícia Federal, ocasião em que acusou o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) de participar de ações para atacar a Justiça Eleitoral e de tramar contra o ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Alexandre de Moraes.
A reportagem procurou a defesa de Walter Delgatti, e o advogado dele, Ariovaldo Moreira, disse que ainda precisa analisar a decisão para se manifestar.
À Justiça a defesa tentou desqualificar os crimes imputados e questionou a atribuição da Vara Federal do DF para conduzir o processo.
O réu está preso desde junho sob suspeita de invadir, no ano passado, também o sistema do CNJ (Conselho Nacional de Justiça), supostamente em combinação com a deputada federal bolsonarista Carla Zambelli (PL-SP).
Segundo disse o juiz na sentença desta segunda, a Polícia Federal afirmou que, somando as vítimas que estavam sendo interceptadas, tanto do celular de Walter, quanto de seu computador, “chegou a um total de 126 vítimas do crime de interceptação indevida de comunicações”.
“No momento de sua prisão, Walter estava realizando a interceptação indevida de comunicação de ao menos 43 pessoas, com o acompanhamento das conversas em mensagens privadas de suas vítimas no momento em que ocorriam”, diz trecho da sentença.
Com relação à lavagem de dinheiro, o juiz Leite também citou, com base na análise da quebra de sigilo bancário e fiscal de Delgatti, “a absoluta incompatibilidade de sua renda” e mencionou conversa na qual o hacker se apresenta como responsável pela área de segurança de um banco e orienta um cliente “de forma a instaurar um programa malicioso” em seu computador.
O magistrado, na sentença, afirmou que Delgatti tem culpabilidade elevada, “já que seus ataques cibernéticos foram direcionados a diversas autoridades públicas, em especial agentes responsáveis pela persecução penal, além de diversos outros indivíduos que possuem destaque social, bastando verificar as contas que tiveram conteúdo exportado”.
Também mencionou o “exibicionismo de suas condutas ilícitas” e criticou afirmação dele de que o crime foi uma “ajuda ao povo brasileiro”.
“Se o intuito, realmente fosse somente o de reparar injustiças, não teria hackeado o ministro Paulo Guedes e conselheiros do CNMP [Conselho Nacional do Ministério Público].”
Quando as primeiras mensagens vieram à tona, em 2019, o site Intercept informou que obteve o material de uma fonte anônima, que pediu sigilo.
Moro e Deltan sempre repetem que não reconhecem a autenticidade das mensagens, mas que, se verdadeiras, não contêm ilegalidades. Os diálogos, entre outros pontos, mostraram que o então juiz indicou testemunha que poderia colaborar para a apuração sobre o hoje presidente Lula (PT), orientou a inclusão de prova contra um réu em denúncia que já havia sido oferecida pelo Ministério Público Federal, sugeriu alterar a ordem de fases da Lava Jato e antecipou ao menos uma decisão judicial.
Segundo o Código de Processo Penal, “o juiz dar-se-á por suspeito, e, se não o fizer, poderá ser recusado por qualquer das partes” se “tiver aconselhado qualquer das partes”. Já o Código de Ética da Magistratura afirma que “o magistrado imparcial” é aquele que mantém “ao longo de todo o processo uma distância equivalente das partes e evita todo o tipo de comportamento que possa refletir favoritismo, predisposição ou preconceito”.
Em 2020, as mensagens hackeadas, que estavam sob responsabilidade da Vara Federal, foram liberadas pelo ministro do STF Ricardo Lewandowski à defesa de Lula. Trechos dos diálogos dos procuradores foram usados pelos ministros da corte para invalidar o uso em processos judiciais do acordo de colaboração da Odebrecht, um dos principais da Lava Jato.
Em 2021, trechos dos diálogos também foram lidos por Lewandowski e por seu colega Gilmar Mendes para fundamentar votos que consideraram a atuação de Moro parcial em relação a Lula. Essa medida acabou anulando provas e sentenças contra o atual presidente na Lava Jato e permitiu que ele disputasse a eleição presidencial de 2022, na qual foi vitorioso.
Moro hoje é senador pela União Brasil-PR.
Nesta segunda, após a divulgação da sentença, Moro e Deltan comentaram a condenação.
“O herói da esquerda foi condenado a mais de 20 anos de prisão pelos crimes de organização criminosa, lavagem de dinheiro, invasão de dispositivos informáticos e realização de interceptações telefônicas sem autorização judicial. A esquerda está bem de heróis, hein?”, escreveu Deltan nas redes sociais. O ex-procurador se elegeu deputado federal pelo Podemos-PR no ano passado, mas teve o mandato cassado em maio deste ano.
Moro, com quem o hacker bateu boca na CPI na semana passada, disse em rede social: “3000 vítimas de ataques hacker. Estelionatário e mentiroso contumaz”.
MARCELO ROCHA / Folhapress