Congresso aprova novo arcabouço fiscal e põe fim ao teto de gastos

BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – O governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) obteve aval do Congresso Nacional nesta terça-feira (22) para enterrar o teto de gastos, criado há mais de seis anos, e implementar o novo arcabouço fiscal —uma nova regra para as contas públicas que prevê o crescimento das despesas acima da inflação.

Na nova votação da Câmara dos Deputados, o governo conseguiu apoio de 379 deputados, em uma votação, e 423, em outra. Isso é suficiente para aprovar uma PEC (proposta de emenda à Constituição), cujo mínimo é 308 votos.

O texto, agora, seguirá para sanção presidencial.

A nova regra foi desenhada com a promessa de garantir mais recursos para políticas públicas e ao mesmo tempo reequilibrar gradualmente as contas do governo, que entraram no vermelho em 2014 –e, desde então, só exibiram resultado positivo em 2022.

A proposta determina que as despesas federais vão crescer todo ano de 0,6% a 2,5% em termos reais (além da inflação). O percentual vai variar dentro desse intervalo de forma proporcional às receitas obtidas pelo governo –ou seja, quanto maior tiver sido a arrecadação, mais será possível gastar.

O texto já havia sido aprovado pela Câmara em maio e retornou à Casa após certos pontos terem sido modificados pelo Senado. Agora, ele segue para sanção e, uma vez assinado por Lula, dará fim ao bloqueio de crescimento de gastos criado no fim de 2016 por Michel Temer (MDB).

Na versão final, os deputados descartaram algumas alterações feitas pelos senadores e retomaram parte da redação que havia sido previamente aprovada por eles em maio, que torna as regras do arcabouço mais rígidas do que o texto original do governo.

No desenho aprovado pela Câmara, ficam fora das limitações gerais o Fundeb (Fundo de Manutenção da Educação Básica) e o FCDF (Fundo Constitucional do Distrito Federal). Os deputados recolocaram as despesas com ciência, tecnologia e inovação dentro das regras fiscais.

Quando o texto passou pela Câmara pela primeira vez, Fundeb e Fundo do DF estavam dentro dos limites do arcabouço. O plenário da Casa, portanto, acatou a mudança feita pelo Senado.

As alterações no Senado forçaram que a proposta passasse mais uma vez pela Câmara e o deputado Cláudio Cajado (PP-BA), que já havia sido responsável pelo relatório na primeira aprovação na Casa, negociou com o governo a versão final.

A Câmara também rejeitou uma proposta do governo que permitia ao Executivo enviar o PLOA (projeto de Lei Orçamentária Anual) de 2024 com cerca de R$ 32 bilhões em despesas condicionadas à aprovação de um crédito suplementar, para incorporar o efeito da inflação maior ao fim do ano sobre o limite para gastos.

O dispositivo havia sido fruto de uma solução costurada pela ministra Simone Tebet (Planejamento e Orçamento) para evitar o corte que poderia comprometer projetos do novo PAC (Programa de Aceleração do Crescimento). Essa saída foi sugerida após uma manobra da equipe econômica no texto ter sido desmontada.

Inicialmente, o governo havia proposto que o limite de despesas do novo arcabouço fiscal seria atualizado pela inflação calculada de janeiro a dezembro do ano anterior –o que daria um espaço extra para os gastos em 2024, já que o IPCA do encerramento deste ano deve vir maior do que o observado em junho.

Com isso, o governo repetiria uma manobra feita pelo então ministro Paulo Guedes (Economia) durante a gestão Bolsonaro.

Diante da resistência ao dispositivo nas discussões do arcabouço, o governo fez uma alteração no PLDO (projeto da Lei de Diretrizes Orçamentárias) de 2024 e colocou uma autorização para incluir no Orçamento despesas condicionadas à aprovação de um crédito suplementar no ano que vem, em valor equivalente ao efeito da inflação maior esperada até o fim deste ano.

Técnicos do governo dizem que isso é suficiente para o projeto de Orçamento já ser apresentado considerando as despesas condicionadas. A peça orçamentária tem que ser enviada até 31 de agosto.

Com a palavra final da Câmara, o projeto do novo arcabouço fiscal segue para a sanção da Presidência da República e, assim que assinado, coloca fim definitivo à era do teto de gastos. Lula cumpre, assim, uma promessa de campanha e consegue tirar do caminho o que poderia ser um dos principais obstáculos para seu governo: o bloqueio do crescimento real das despesas federais implementado por Temer em 2016.

Em dezembro de 2022, após a vitória do petista nas urnas –mas ainda antes de sua posse–, Lula teve que articular uma PEC para liberar recursos para programas como o Bolsa Família e o Farmácia Popular. Foram R$ 168 bilhões extras para usar em 2023, mas o Congresso não deixou o instrumento ser usado em outro ano –o que pressionou a equipe econômica a concluir o desenho do novo arcabouço.

O saldo final da nova regra fiscal é positivo para o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, que realizou uma série de agendas com parlamentares durante o primeiro semestre para a elaboração da proposta.

Ao longo da negociação, o ex-prefeito de São Paulo acumulou avaliações positivas de deputados e senadores. O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), chegou a sugerir a Lula que Haddad virasse ministro da Casa Civil. Recentemente, no entanto, os dois tiveram um atrito após o titular da pasta ter falado que a Câmara tem “poder muito grande”.

A equipe econômica espera que o avanço da nova regra fiscal contribua para reduzir as incertezas do mercado financeiro em relação ao futuro das contas públicas, embora ainda haja desconfiança quanto à execução da nova regra, excessivamente dependente de novas receitas.

Para zerar o déficit primário (que desconsidera as despesas com juros), o governo calcular precisar de R$ 130 bilhões em arrecadação extra apenas para 2024.

**COMO FUNCIONA O NOVO ARCABOUÇO**

O novo marco combina metas de resultado primário (obtido a partir da diferença entre receitas e despesas) com um limite de crescimento para gastos mais flexível do que o do teto. Os princípios foram defendidos por Haddad e sua equipe a despeito de resistências dentro do próprio PT, já que uma ala do partido queria uma regra fiscal mais branda.

Pela regra aprovada, o crescimento real do limite de gasto do ano seguinte deve equivaler a 70% da variação da receita em 12 meses acumulados até junho do ano anterior, já descontada a inflação, desde que respeitado o intervalo de 0,6% a 2,5%. Na prática, esses são o piso e o teto de avanço das despesas, independentemente do quadro econômico do país.

Além disso, o governo precisa cumprir uma meta de resultado primário. O objetivo para o ano que vem é zerar o déficit em 2024 e chegar a um superávit de 1% do PIB (Produto Interno Bruto) em 2026 —metas tidas como ambiciosas por economistas de mercado, que ainda veem com cautela a capacidade da Fazenda de honrar esses compromissos.

Pela regra, caso a meta seja descumprida, a proporção de alta das despesas em relação à arrecadação cai a 50%, até a retomada da trajetória de resultados dentro do esperado.

O texto também manteve os gatilhos automáticos para ajustar as despesas em caso de estouro da meta de primário. Entre as medidas estão a proibição de concursos públicos e de aumentos para servidores.

A política de valorização do salário mínimo, porém, ficará blindada desses mecanismos, a pedido de Lula.

O texto ainda obriga o governo a contingenciar despesas, caso haja frustração de receitas ou aumento de outros gastos que ameace o cumprimento da meta fiscal no exercício. Esta seria uma medida prudencial adotada pelo gestor para tentar evitar o estouro da meta.

Inicialmente, o governo queria que a adoção dessa providência fosse opcional, numa flexibilização em relação ao que manda a versão atual da LRF (Lei de Responsabilidade Fiscal). O Congresso não aceitou essa proposta e restabeleceu o contingenciamento, mas estipulou um limite de 25% do valor previsto no Orçamento para as despesas discricionárias —que incluem custeio e investimentos.

A proposta determina que o contingenciamento precisa ser proporcional entre as diferentes rubricas. Na prática, isso evita que o aperto recaia apenas sobre os investimentos, como já ocorreu no passado.

Redação / Folhapress

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