BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – A Comissão de Agricultura do Senado aprovou, nesta quarta-feira (23), o projeto de lei do marco temporal, mantendo o texto da Câmara. Essa versão cria dispositivos que flexibilizam a exploração de recursos naturais e a realização de empreendimentos dentro de terras indígenas.
Ambientalistas e o movimento indígena criticam o projeto e veem brechas para permitir garimpo, atividade agropecuária, abertura de rodovias, linhas de transmissão de energia ou instalação de hidrelétricas, além de contratos com a iniciativa privada e não indígena para empreendimentos.
Um dia antes da votação, a ministra Sonia Guajajara (Povos Indígenas), cumpriu agenda com uma série de senadores, entre os quais a relatora Soraya Thronicke (Podemos-MS), para tentar alterar o projeto, mas não houve nenhuma mudança.
Antes da votação, houve uma audiência pública, com presença da presidente da Funai (Fundação Nacional dos Povos Indígenas). O texto passou por 13 votos a 3 e agora vai para a CCJ (Comissão de Constituição e Justiça).
A tese do marco, defendida pela Frente Parlamentar da Agropecuária, institui que as terras indígenas devem se restringir à área ocupada pelos povos na data da promulgação da Constituição Federal de 1988.
Os indígenas refutam a ideia e argumentam que, pela Constituição, têm direito a seus territórios originais, não restritos a uma determinada data.
O STF (Supremo Tribunal Federal) também julga a tese, mas a bancada ruralista tenta que o texto seja aprovado pelo Congresso antes do julgamento final pela corte.
O texto do marco temporal, originalmente, não tratava da tese, mas sim transferia para o Poder Legislativo a prerrogativa de demarcação dos territórios.
A ele foram apensadas (juntadas) propostas que incluem, além do marco, a possibilidade de realização de empreendimentos e exploração de recursos naturais das terras.
A versão atual, que ainda pode ser alterada, cria um capítulo sobre “uso e gestão das terras indígenas”.
Nele, o Congresso poderá autorizar a exploração de recursos hídricos e potenciais energéticos, riquezas minerais e instalação em terras indígenas de equipamentos como redes de comunicação, estradas e vias de transporte, além das construções necessárias à prestação de serviços públicos.
A proposta prevê que, para atividades econômicas, inclusive as relacionadas ao agronegócio, será “admitida a cooperação e contratação de terceiros não indígenas”.
O texto aprovado, que ainda pode ser alterado, diz que “é nula a demarcação que não atenda aos preceitos estabelecidos nesta lei”.
O trecho vem sendo criticado por indígenas por abrir espaço para que áreas já homologadas sejam anuladas, o que pode causar a expulsão de povos de seus territórios e aumenta o risco de conflito.
O texto também possibilita a indenização ao antigo proprietário de terras demarcadas, algo que hoje não acontece, veda a ampliação de territórios já delimitados e diz que mesmo os processos em andamento devem se adequar ao marco, ou seja, devem passar a considerar a área ocupada em 1988.
A proposta ainda abre uma brecha para que terras demarcadas sejam retomadas pela União, “em razão da alteração dos traços culturais da comunidade ou por outros fatores ocasionados pelo decurso do tempo”.
Entidades do setor entendem que a proposta dificulta o processo de demarcação dos territórios, esvazia a consulta aos indígenas e diminui os instrumentos de proteção a indígenas isolados.
JOÃO GABRIEL / Folhapress