SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Laudos de exames periciais, que podem ajudar a provar tortura durante prisões, não chegam a tempo da audiência de custódia em 30% de estabelecimentos que realizam o procedimento, aponta um levantamento da Associação para a Prevenção da Tortura (APT). Em 12% dos casos, esses exames não são feitos.
Por outro lado, em 38% das unidades com informações coletadas, o atendimento do preso feito pelo Instituto Médico Legal é acompanhado por um agente de segurança. Ainda, os presos podem ser retirados da sala durante a audiência em três de cada 10 unidades, e em 40% desses locais há o uso de algum tipo de contenção durante o procedimento, como algemas nos pulsos ou nos tornozelos.
As informações foram obtidas com exclusividade pela Folha de S.Paulo e integram a plataforma Observa Custódia, da APT, organização de direitos humanos com sede na Suíça. Ao todo, há informações de 71 unidades espalhadas pelo Brasil -24 delas em capitais e outras no interior.
Cada unidade pode atender diversos municípios, como é o caso da comarca de Aracaju, que atende 40 cidades, incluindo a capital sergipana, e as informações foram colhidas entre abril e agosto.
Quem é preso deve ser levado à presença de um juiz em até 24 horas, acompanhado de advogado ou da Defensoria Pública, para a audiência de custódia. O magistrado avalia a legalidade do flagrante e da prisão, investiga eventuais maus-tratos ou tortura e decide manter a prisão ou aplicar outras medidas cautelares. Daí a importância, por exemplo, de laudos de exames de corpo de delito feitos após a prisão e antes das audiências, que vão mostrar as condições da pessoa que passa a estar sob custódia do Estado.
Esta é a segunda edição do levantamento, que também foi publicado no ano passado. A APT reuniu, por meio de parceria com o Conselho Nacional de Defensoras e Defensores Públicos Gerais (Condege), informações de questionários enviados às Defensorias Públicas Gerais dos estados e do Distrito Federal e distribuídos a defensores que atuam nas audiências de custódia.
Neste ano, não houve resposta das comarcas de capitais de Maranhão, Minas Gerais e Pará, mas há informações de ao menos uma comarca do interior desses estados.
Tema polêmico durante as fases mais restritivas da pandemia, a audiência virtual acontece em 31% das unidades. Críticos dizem que o modelo impede o contato com o juiz e a criação de um ambiente seguro para eventuais relatos de abusos. O formato presencial é praticado em 32% delas, e o misto, quando a decisão do formato cabe ao juiz, é feito em 37% dos locais.
“Basicamente fica a critério do juiz, e essa flexibilização é preocupante, porque já temos uma resolução do Conselho Nacional de Justiça que determina o retorno à presencialidade. Na prática, é uma decisão de cada ator”, afirma Sylvia Dias, representante da APT no Brasil.
Apesar da resolução, o modelo de videoconferência também foi citado em junho no voto do ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Luiz Fux, durante o julgamento sobre a criação do juiz de garantias, que continua em análise na corte. Para Fux, não aceitar a videoconferência é um retrocesso, porque o modelo agiliza os processos.
Das 48 respostas sobre o local usado para que o preso se conecte para fazer a audiência, 42% são unidades prisionais, 38% sedes de Tribunal de Justiça e 19% sedes de polícias.
Em São Paulo, o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos), afirmou, durante a campanha, que o estado deveria exercer influência para mudar a lei e acabar com as audiências de custódia, porque a pessoa presa era liberada em seguida para cometer crimes. A gestão foi procurada por email na terça (22), mas não respondeu até a publicação do texto.
Para Dias, o dispositivo da audiência de custódia já está assegurado no país. “Preocupante é toda essa flexibilização, todas essas violações de garantias mínimas que teriam que ser asseguradas e não estão sendo, cada tribunal faz da sua maneira, cada juiz da sua maneira.”
A unidade de Mogi das Cruzes, que atende as comarcas de Itaquaquecetuba, Ferraz De Vasconcelos, Arujá, Poá e Suzano (todos na Grande São Paulo), é uma em que os exames, em regra, não chegam a tempo de análise nas audiências. Segundo Dias, da APT, isso contrasta com o estado ser o mais rico da federação e ter, em tese, meios para garantir essa estrutura.
O Tribunal de Justiça de São Paulo afirmou que, após a realização de exames pelo IML após a prisão, o juiz pode solicitar novos exames após a audiência de custódia caso decida manter a prisão ou se houver relato de violência policial, mesmo que a prisão seja relaxada. Na capital, esse segundo exame é feito no Complexo Criminal Ministro Mário Guimarães. No interior, segundo o tribunal, é encaminhado ao IML.
LUCAS LACERDA / Folhapress