SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Exatos dois meses depois de comandar um motim de seu grupo mercenário Wagner contra a cúpula militar do governo de Vladimir Putin, Ievguêni Prigojin morreu na queda de um de seus jatos executivos nesta quarta (23), perto de Moscou.
Aliados do empresário de 62 anos, no canal do Telegram ligado ao Wagner Greyzone, acusaram Moscou pela morte. Dizem, a partir de um vídeo gravado por moradores que circula em redes sociais, que o jato foi abatido, o que a esta altura não é passível de comprovação.
O episódio ocorreu na noite desta quarta (tarde no Brasil) na rota que o jato de fabricação brasileira Embraer Legacy 600 fazia entre Moscou e São Petersburgo, um dia depois de Prigojin reaparecer em suas redes sociais com um vídeo que teria sido gravado durante operações do Wagner na África.
Segundo o Ministério das Situações de Emergência, a lista de pessoas a bordo tinha três tripulantes e sete passageiros, incluindo o líder mercenário. Mas o primeiro relato do órgão sobre as buscas afirma que só foram encontrados oito corpos nos escombros. Sete foram identificados pela Autoridade de Aviação da Rússia: além de Prigojin, morreu na queda o principal comandante militar do Wagner, Dmitri Utkin.
O vídeo nas redes mostra o aparelho em chamas caindo, e foi georreferenciado por canais especializados. O que não se sabe é o que ocorreu: uma explosão por bomba, defeito catastrófico ou míssil adversário.
O jato tinha matrícula RA-02785 e desde 2019 estava sob sanção dos Estados Unidos por ser considerado de propriedade de Prigojin, que era um aliado próximo de Putin. Ele foi visto embarcando na aeronave diversas vezes, inclusive quando foi para a Belarus após o motim fracassado no final de junho.
O episódio nunca foi explicado totalmente, com várias contradições em seu curso. Será, contudo, difícil para o Kremlin evitar as acusações de queima de arquivo com a morte de Prigojin e seu principal braço-direito militar.
Também nesta quarta, um dos principais generais russos, Serguei Surovikin, conhecido como “general Armagedom”, foi demitido da chefia das Forças Aeroespaciais depois de uma nebulosa investigação acerca de suas ligações com Prigojin e o motim, embora ninguém comente isso oficialmente na Rússia.
Na semana passada, um general acusado pelo opositor Alexei Navalni de ter gerenciado a construção de um palácio para Putin, que estava preso, morreu, assim como um coronel ligado ao alto escalão militar, por suspeita de envenenamento, o que levou a especulações acerca de uma ação coordenada.
Ao longo dos anos, rivais de Putin, em especial políticos rivais como Boris Nemtsov, morto a tiros em 2015, e jornalistas como Anna Politkovskaia, executada em 2006, tiveram mortes violentas ou misteriosas. Desde o início da Guerra da Ucrânia, ao menos 12 executivos de destaque tiveram tal destino.
Prigojin é o mais próximo ex-auxiliar do presidente russo a morrer em circunstâncias obscuras. Conhecido como “chef de Putin”, por ter fornecido serviços de alimentação no Kremlin e ao governo russo, em contratos anuais de US$ 1 bilhão, ele operava o grupo mercenário desde 2014 a serviço do Kremlin em diversos países. Para tal, recebia outro US$ 1 bilhão e foi instrumento importante no conflito até o rompimento com a cúpula militar russa, antes do motim.
Prigojin bateu de frente com o poderoso ministro da Defesa, Serguei Choigu, a quem acusava de sabotar os trabalhos de seus mercenários. No auge de sua atuação na Ucrânia, talvez 50 mil soldados tenham estado sob controle do Wagner, boa parte deles condenados que trocaram a liberdade pelo combate.
Na brutal batalha de Bahkmut, ele disse ter perdido 16 mil homens, 10 mil dos quais ex-detentos como ele, que iniciou a carreira como um criminoso de rua na mesma São Petersburgo em que Putin cresceu.
O Wagner, que tem atuação forte também na Síria e em países africanos como o Níger ora vivendo um golpe militar, prevaleceu naquele embate em maio, depois de meses. Mas Choigu buscou enquadrar os mercenários na sequência, obrigando-os a assinar contratos com seu ministério.
O motim de Prigojin, segundo o próprio, foi para salvar o controle de seu grupo, que ele dizia ter 25 mil homens armados na Rússia. Mas tudo no episódio permaneceu obscuro, até porque Putin recebeu o ex-aliado e o comando do Wagner cinco dias após a rebelião, para ouvir suas razões.
Ao mesmo tempo, a TV estatal o ridicularizava, mostrando disfarces toscos, armas, ouro e dinheiro apreendidos em sua casa. A fama de brutalidade dele e de seus comandados era lendária, com o emprego de marretas para punir adversários. Mesmo o canal Greyzone concedeu: “No inferno, ele será o maior”.
Putin oscilou no caso do motim, chamando os rebeldes de traidores da pátria inicialmente e, depois, os perdoando. Ninguém foi preso ou punido oficialmente, ainda que cerca de 12 soldados russos tenham morrido em combate com os mercenários, que abateram helicópteros e um avião na marcha fracassada a Moscou.
Mesmo Prigojin seguia uma incógnita. O Kremlin disse que o Wagner deixaria de receber fundos públicos e não poderia trabalhar na Rússia, mas que poderia manter seus contratos em países africanos, por exemplo. No vídeo divulgado na terça (22), ele aparentava estar em terreno africano e falava do orgulho de levar a força da Rússia para o continente, embora não fosse possível verificar de quando era a gravação.
Outra interrogação é o papel do ditador belarusso, Aleksandr Lukachenko, aliado do Kremlin que mediou o acordo que pôs fim à revolta em 24 de junho. Ele recebeu membros do Wagner, naquilo que vizinhos da Otan, a aliança militar ocidental, considera um prelúdio para ações de desestabilização na fronteira, dizendo que eles treinariam seu exército. Nunca ficou clara a relação entre Lukachenko e Prigojin no caso, objeto também da apuração que levou à detenção do general Surovikin.
IGOR GIELOW / Folhapress