BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – O STF (Supremo Tribunal Federal) concluiu nesta quarta-feira (23) a votação pela obrigatoriedade para a instalação do juiz das garantias nos tribunais do Brasil.
O tribunal votou para um prazo de implementação do modelo 12 meses após o fim do julgamento, com possibilidade de prorrogação de mais 12 meses sob justificativa, a partir da publicação da ata do julgamento.
Também definiu que o juiz das garantias não será o responsável pelo recebimento da denúncia, mas sim o magistrado que vai sentenciar no julgamento.
A proclamação do resultado será, porém, nesta quinta-feira (24), já que os ministros devem definir tópicos ainda sob discussão.
Votaram a princípio pela imposição do modelo 10 dos 11 ministros: Dias Toffoli, Cristiano Zanin, André Mendonça, Kassio Nunes Marques, Alexandre de Moraes, Edson Fachin, Luís Roberto Barroso, Cármen Lúcia, Gilmar Mendes e Rosa Weber.
Luiz Fux, relator do processo, votou contra a imposição de mudanças nos tribunais. Mas nesta quarta, depois que os outros ministros votaram de forma diferente, ele ajustou o voto para acompanhar os demais integrantes da corte.
Foi a 10ª sessão do tribunal que trata do tem a modelo do juiz das garantias, que divide a responsabilidade dos processos entre dois magistrados.
Alexandre de Moraes propôs inicialmente 18 meses, mas depois assentiu em mudar o seu prazo para o proposto pela maioria do colegiado. Kassio Nunes Marques defendeu que a medida só seja implementada em 36 meses, mas também alterou seu voto para acompanhar os demais.
Um dos ministros que votaram nesta quarta, Barroso, apesar de votar pela obrigatoriedade, disse que não acha que “a introdução do juiz das garantias enfrente os grandes problemas que identifico no sistema punitivo brasileiro”.
“Juiz das garantias não é a solução que eu encontraria para os problemas centrais do sistema penal, do sistema punitivo brasileiro. O sistema punitivo brasileiro tem uma ambiguidade, é excessivamente punitivo de um lado e excessivamente leniente do outro”, disse o ministro.
“Nós oscilamos entre o punitivismo e a impunidade. O punitivismo e a impunidade costumam ter classe social e cor. Nós temos um direito penal que é duríssimo com os pobres e extremamente manso com a criminalidade dos ricos, do colarinho branco e com a apropriação privada do Estado.”
Gilmar Mendes, que também votou nesta quarta, fez longas críticas à Operação Lava Jato para justificar a criação do juiz das garantias.
“Não bastasse a necessidade de mecanismos de prevenção contra influências psicológicas ou de outra índole que podem afetar mesmo magistrados que agem com retidão e boa-fé, deve-se ter em mente ainda o risco de utilização deliberada do processo penal como mecanismo de intimidação, perseguição ideológica e interferência na arena política”, afirmou.
“Ante a experiência adquirida pelo tribunal nos últimos anos, sobretudo envolvendo a tristemente famosa Operação Lava Jato, não há como negar que existem razões fundadas para as preocupações externadas pelos defensores da implementação imediata do juiz das garantias.”
O instrumento do juiz das garantias divide o julgamento de casos criminais entre dois juízes: um autoriza diligências da investigação e o outro julga o réu.
Fux, relator dos processos sobre o tema, apresentou o seu voto em junho, três anos após ter suspendido a instalação do modelo.
Durante o seu voto, o ministro afirmou que o nome juiz das garantias seduz como “o canto da sereia”, mas que a imposição da lei poderia gerar o caos na Justiça criminal.
Isso porque, segundo Fux, a norma ignoraria a carência de magistrados no país com dimensões continentais e a diferença entre os estados.
Ele também afirmou que todos os juízes brasileiros são juízes de garantias, durante a investigação e instrução processual, “incumbindo-lhes zelar pelos direitos fundamentais assegurados pela Constituição”.
Ao retomar o julgamento em agosto, Toffoli se manifestou a favor da criação do instrumento, no prazo de 12 meses para que os tribunais adotem medidas para implementação e instalação do juiz das garantias.
Esse prazo poderia ser prorrogado apenas uma vez, por mais 12 meses, sob justificativa a ser apresentada junto ao CNJ (Conselho Nacional de Justiça).
O juiz das garantias foi aprovado no fim de 2019 e sancionado pelo então presidente Jair Bolsonaro (PL). A novidade foi discutida no Congresso na esteira de uma reação a episódios da Lava Jato, criticada por concentrar poder em um só juiz durante a investigação e ao longo da tramitação das ações.
Após a sanção, Toffoli, então presidente do Supremo, adiou a implementação da medida por seis meses e criou parâmetros para a mudança. Tudo isso foi suspenso em janeiro de 2020 por Fux, que é o relator dos processos. À época, ele também suspendeu a instalação do modelo.
Neste ano, presidentes dos Tribunais de Justiça do país fizeram um apelo à corte contra a obrigatoriedade do novo modelo. Em ofícios enviados ao Supremo, os desembargadores que presidem as cortes estaduais relatam dificuldades orçamentárias e estruturais para que a mudança seja implementada.
Os presidentes dos tribunais que enviaram ofícios ao Supremo dizem que precisam de tempo, que alguns deles quantificam entre dois a cinco anos, para fazer as mudanças necessárias para implementar o modelo.
O presidente do TJ paulista, Ricardo Anafe, afirmou em ofício que é necessário uma implantação progressiva. Ele defende ainda avaliação do modelo adequado a ser criado no tribunal, a realização de um projeto-piloto e alega a necessidade de estruturação física e humana das novas unidades.
JOSÉ MARQUES / Folhapress