SÃO PAULO, SP (UOL/FOLHAPRESS) – Angela Aparecida da Silva e Andrea Santos Oliveira já estavam dentro da água, com uniforme e número de competição, quando foram impedidas pela Confederação Brasileira de Canoagem (CBCa) de disputarem o Campeonato Mundial de Diusburg, na Alemanha, no C2 500m, ontem (23). O nome delas foi retirado da lista de largada uma hora antes da prova.
A entidade alega que, se permitisse a participação da dupla, que venceu todos os campeonatos nacionais dos últimos 10 anos, prejudicaria Valdenice Conceição, uma atleta que não só não treina neste tipo de barco como não compete em provas desta distância. A CBCa pretendia formar uma dupla entre Valdenice e Andrea, que nunca treinaram juntas, inclusive porque remam do mesmo lado, o que torna difícil impedir a canoa de virar.
A participação de Angela e Andrea no Mundial seria estratégica para o esporte brasileiro, já que o Mundial é classificatório para as Olimpíadas, e elas alegam que têm resultados para brigar diretamente pela classificação a Paris-2024. Pelo tempo da Copa Brasil, teriam ficado em terceiro na bateria.
Angela e Andrea foram a Diusburg respaldadas por decisão judicial de primeiro grau do Tribunal de Justiça do Paraná, em processo em que elas exigiam que a CBCa as convocasse para a competição. A entidade alegou que não tinha recursos financeiros para levá-las à Alemanha, mas, como a decisão judicial exigia a inscrição e elas já estavam lá, a CBCa parecia ter ficado de mãos atadas.
Até 1h antes da largada, eram os nomes de Angela e Andrea que apareciam na lista de largada, apesar da insistência da CBCa junto à federação internacional. “A ICF não deixou que a CBCa tirasse meu nome para colocar o da Valdenice. Eles disseram para a gente que não seria ético. Além disso, seria perigoso para as outras atletas, já que o barco podia virar”, alega Angela. No masculino, Isaquias Queiroz e Filipe Vieira não foram escalados juntos exatamente por remarem para o mesmo lado.
No feminino, a comissão técnica alegou que a falta de sincronia não seria problema, já que o objetivo no Mundial era somente completar a prova para fazer jus a participar dos Jogos Pan-Americanos e, aí sim, tentar uma vaga olímpica.
ANTIGA SELEÇÃO PERMANENTE E PROCESSO NA JUSTIÇA
Entre 2014 e 2020, Angela, Andrea e Valdenice eram as três integrantes da seleção permanente que treinava sob o comando de Figueiroa Conceição em Curitiba e, depois, em Capitólio (MG). Angela foi dispensada em 2020, depois que Álvaro ‘Pinda’ se tornou técnico de Isaquias e ganhou poderes na confederação.
Ela alega que ele a demitiu uma semana depois de o supervisor da entidade assistir a ela vencer Valdenice nas baterias de 200m. Em solidariedade, Andrea saiu junto da seleção, que acabou no ano seguinte, com Valdenice também se afastando.
As três continuaram treinando por conta, mesmo deixando de competir internacionalmente e de fazer jus à Bolsa Pódio, por exemplo. Na Copa Brasil, a dupla Angela/Andrea venceu o C2 500m, enquanto Angela faturou o hexa do C1 500m, e Valdenice venceu o C1 200m, seguida de Andrea e Angela.
Sabendo do que entendem ser um boicote da confederação, Angela e Andrea acionaram a Justiça do Paraná pedindo que a CBCa fosse obrigada a convocá-las. Pediram apoio do Comitê Olímpico do Brasil (COB) e do Ministério do Esporte, que tentou intervir, mas os dois órgãos entenderam que a confederação tinha autonomia na decisão, ainda que, segundo elas, tenham concordado com o pleito delas.
Com o processo já em tramitação, a confederação convocou Valdenice e Andrea. A primeira, para remar o C1 200m, sua especialidade, em que já foi quarta do mundo. A segunda, para ser sua companheira no barco do C2 500m. No processo, a CBCa alegou que Angela não cumpria critério técnico para ser convocada para o C2 500m, já que fora terceira colocada no C1 200m na Copa Brasil. “Para quem não entende, é igual colocar quem corre 100 metros para correr os 400m. É totalmente diferente”, alega Angela.
A situação é idêntica à do masculino, mas a solução encontrada pela CBCa foi oposta. Entre os homens, Jacky Godmann foi escalado no C2 apesar de ter sido o quarto colocado na prova individual de 500m na Copa Brasil. Filipe Vieira, vice-campeão, foi preterido por remar do mesmo lado de Isaquias Queiroz, o que torna a sincronia muito difícil.
O QUE DIZ A CBCA
À reportagem, a CBCa argumentou que conseguiu derrubar a liminar judicial em segunda instância e, por isso, não era obrigada mais a manter Angela no barco.
Ao explicar, em nota em seu site, a decisão de retirar o barco brasileiro do Mundial a 1h da largada, a CBCa alegou que a dupla escalada era Andrea e Valdenice, e a primeira “não compareceu nos treinamentos organizados pela equipe técnica e não apareceu na tenda da equipe até a hora limite da inscrição.” No start list, porém, a dupla sempre foi Angela/Andrea.
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NOTA DA CONFEDERAÇÃO
As classificações são nas embarcações individuais, ou seja a CBCa convocou as duas atletas mais rápidas do C1 Feminino de acordo com o que está escrito no plano de trabalho.
A Angela e a Andrea ganharam a Copa do Brasil na categoria dupla. Essa embarcação não era selecionável para o Mundial.
Porém, elas não concordaram com a convocação das duas atletas mais velozes e decidiram entrar na justiça para poder competir na Alemanha juntas e conseguiram a liminar da qual obrigava a CBCa a inscrevê-las para o campeonato, o que foi feito.
Mas a CBCa, por achar injusta a decisão, por prejudicar outras atletas que tinham índice melhor, recorreu dessa decisão, e o magistrado superior concordou com os argumentos da entidade proferida e decidiu por anular a liminar anterior.
Com isso, a CBCa quis montar novamente a embarcação dupla conforme a sua convocação e o resultado das seletivas nacionais, porém a atleta Andrea se negou a remar com a canoísta Valdenice, não comparecendo à apresentação para a equipe, mesmo tendo concordado com a convocação anteriormente quando foi publicada.
Em relação à canoa masculina, a embarcação titular era o Isaquias e o Erlon, porém o Erlon se machucou e a CBCa teve que convocar o atleta reserva depois de vários testes, atleta esse que é finalista olímpico.
DEMÉTRIO VECCHIOLI / Folhapress