Queda abrupta sugere catástrofe a bordo do avião do Grupo Wagner

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O padrão da queda do avião em que estava o líder mercenário russo Ievguêni Prigojin, seu número 2 no Grupo Wagner e mais oito pessoas sugere um evento catastrófico a bordo, como uma explosão.

O jato executivo Embraer Legacy 600 voava normalmente de Moscou a São Petersburgo até os 32 segundos finais de sua rota, em que ficou instável antes de estatelar-se na região de Tver (160 km a noroeste de Moscou) no início da noite de quarta (23).

Segundo relatório do site de monitoramento de tráfego aéreo Flightradar24, a aeronave estava em voo de cruzeiro, a 8,5 km de altitude, quando algo ocorreu. Ela caiu para 8,4 km, oscilando para 9,1 km, até desaparecer do radar às 18h20 (12h20 em Brasília).

A isso se soma um registro em vídeo feito por celular de um morador da região, que disse ter ouvido uma explosão antes de vir a aeronave cair verticalmente, deixando um traço de fumaça. Mais acima, havia rastros de vapor que um canal ligado ao Wagner no Telegram disse serem provas de que um míssil atingiu o jato.

Segundo observadores militares, as imagens não deixam isso claro de forma incontestável. Uma bomba poderia ter tido o mesmo efeito, por exemplo. Como o próprio relato do Flightradar24 diz, é certo que algum evento de grande magnitude ocorreu com o jato, que com quase 300 unidades feitas no Brasil só havia sofrido um acidente sério, o choque no ar que derrubou um Boeing-737 da Gol em 2006.

A Embraer não opera na Rússia, devido às sanções internacionais impostas após a invasão da Ucrânia. No caso específico do Legacy de Prigojin, ele estava sem manutenção da empresa desde 2019, quando foi sancionado pelos EUA —aviões também podem sofrer restrições, que afetam qualquer um que preste serviço a eles.

Se a Rússia pedir, contudo, a Embraer pode participar da investigação em solo, já que o aparelho acidentado é de sua fabricação. Isso depende de uma comunicação direta ao governo brasileiro, o que segundo o Cenipa (Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos) não ocorreu ainda.

Tudo isso alimenta o moinho das teorias conspiratórias acerca do incidente. Há exatos dois meses, Prigojin liderou um motim do Wagner, que estava sob ameaça de dissolução pelo Ministério da Defesa, contra a cúpula militar de Vladimir Putin.

Antes muito próximo do presidente russo, conhecido como o “chef de Putin” por seus serviços de alimentação contratados pelo Kremlin antes de suas atividades mercenárias, Prigojin era visto por muitos analistas como alguém com a cabeça a prêmio apesar da opacidade da solução de sua revolta.

Afinal, ele não foi punido pelo que Putin chamou de facada nas costas em sua primeira manifestação, com o motim ainda em curso antes de sua conclusão no dia 24 de junho. Na mesma quarta, o governo anunciou a remoção de Serguei Surovikin, o “general Armagedom” que comandou as forças na Guerra da Ucrânia e era próximo de Prigojin, da chefias das Forças Aeroespaciais russas.

Putin, até pelo histórico de mortes misteriosas de antigos associados e de rivais, está sendo apontado como o responsável pela morte de Prigojin, numa vingança não muito tardia. A suspeita foi colocada por líderes ocidentais como o presidente Joe Biden, que já chamou o russo de assassino mesmo antes da invasão da Ucrânia.

Em Kiev, o presidente Volodimir Zelenski correu para negar ter algo a ver com a morte, dado que o Grupo Wagner foi uma das unidades mais duras combatidas pelos ucranianos na guerra. Em maio, Prigojin tomou após a mais sangrenta batalha do conflito até aqui o bastião de Bakhmut, no leste, e suas forças são temidas.

Nem Putin, que falou nesta quinta (24) por vídeo na cúpula do Brics na África do Sul, nem nenhuma autoridade ou porta-voz do Kremlin falaram sobre o incidente até aqui.

O vácuo do anúncio da morte de Prigojin e de seu principal comandante, Dmitri Utkin, tem gerado todo tipo de especulação —prato cheio no império das redes sociais vigente. A mais curiosa é a que sugere que Prigojin na realidade está vivo, e que o acidente foi uma forma de ele desaparecer da vista pública, com ou sem apoio de Putin.

Isso se deu porque havia no ar ao mesmo tempo outro Legacy do Grupo Wagner, que deu meia-volta rumo a Moscou. Não se sabe onde a aeronave pousou, até porque a interferência de sistemas de contramedidas eletrônicas para lidar com drones ucranianos que atingem a capital tem gerado ruídos na rastreabilidade de aviões na área.

Outro boato povoando as redes é sobre o futuro do Wagner, essa uma questão mais tangível. Há um número incerto de soldados do grupo que foram para Belarus, ditadura aliada de Moscou que mediou o fim do motim. Desde o começo do mês, imagens de satélite mostraram que pelo menos um acampamento do grupo havia começado a ser desmantelado.

Em canais do Telegram ligados ao Wagner, há denúncias de que Minsk cortou o acesso à internet dos soldados e que aviões de transporte militar russo chegaram ao país para recolher os mercenários. Não há confirmação disso. Em uma postagem, integrantes mascarados do grupo prometem se vingar de Prigojin, dizendo que “a guerra só começou”.

Parece improvável, contudo, alguma ação organizada como a de junho. Naquele momento, havia talvez 25 mil homens de Prigojin armados com blindados e tanques, recém-chegados da Ucrânia. Agora, o grupo está dividido e perdeu acesso a equipamento pesado. O que, claro, não exclui ações violentas isoladas.

A analista política Tataina Stanovaia, do canal R.Politik, não acredita que o Wagner irá se recompor após a perda de sua cúpula. Segundo ela escreveu no X (ex-Twitter), Putin comeu um prato frio em sua vingança, após o dano político do motim.

IGOR GIELOW / Folhapress

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