Brasil celebra compromisso da China, mas perspectiva de reforma na ONU é distante

JOANESBURGO, ÁFRICA DO SUL (FOLHAPRESS) – O Brasil conseguiu na cúpula do Brics a mais forte sinalização de apoio da China a uma reforma do Conselho de Segurança da ONU. O texto, publicado nesta quinta (24), tem algum grau de ambiguidade, mas foi celebrado pelo governo como uma vitória para a ambição de uma cadeira permanente no órgão.

Analistas ouvidos pela Folha de S.Paulo, no entanto, apontam que as chances de uma reforma ocorrer de fato são baixas. O parágrafo sobre o Conselho de Segurança foi a principal moeda de troca do governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para aceitar a expansão do Brics -pauta prioritária da China. Foram anunciados como novos integrantes Argentina, Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos, Egito, Irã e Etiópia.

No documento final da reunião, os cinco atuais integrantes do bloco -Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul- declaram apoio a uma “reforma abrangente da ONU, inclusive do seu Conselho de Segurança, com a visão de fazê-la mais democrática, representativa, efetiva e eficiente”.

Na frase mais comemorada pelo Itamaraty, o texto apoia as “aspirações legítimas de países emergentes e em desenvolvimento de África, Ásia e América Latina, inclusive Brasil, Índia e África do Sul, de ter um papel mais ativo em assuntos internacionais, em particular na ONU, inclusive no Conselho de Segurança”.

Embora as declarações expressem uma visão conjunta do Brics, elas têm apenas um destinatário: a China. Dona de um assento permanente no Conselho de Segurança, Pequim se negava sistematicamente a se comprometer com uma reestruturação do colegiado. Os chineses sempre atuaram para bloquear a candidatura de dois adversários regionais: Japão e Índia. A resistência era tão grande que por anos ela se recusou a aceitar a inclusão de qualquer menção ao Conselho de Segurança nos documentos do bloco.

Até então, o máximo que a China aceitava era reiterar a importância do status e do papel que Brasil, Índia e África do Sul querem desempenhar em assuntos internacionais. Um funcionário ouvido pela Folha de S.Paulo brincou que a delegação chinesa ajustava até as vírgulas das declarações, e diferentes diplomatas afirmam que o texto negociado nesta cúpula do Brics vai muito além do que Pequim costumava aceitar.

Se existe unanimidade entre funcionários do governo sobre a redação do trecho, as opiniões divergem sobre se valeu a pena para o Brasil trocar a expansão pelo compromisso da China. Primeiro, porque uma reforma do Conselho de Segurança não parece estar no horizonte. E, segundo, porque a China teria conquistado uma vitória imediata -a ampliação do Brics- em troca de uma promessa de longo prazo.

Membros da delegação brasileira defendem o acerto. Dizem que o país tem de estar bem posicionado quando houver uma chance de reestruturação. Nesse sentido, superar o bloqueio da China é crucial.

Mas há opiniões divergentes. Rubens Ricupero, diplomata e ex-ministro da Fazenda, disse à Folha que o apoio da China não é decisivo. “Seria preciso garantir igual atitude dos outros quatro membros permanentes e da maioria de países da ONU. Ademais, esse apoio pode, no outro extremo, aumentar a desconfiança dos três membros permanentes ocidentais: Estados Unidos, Reino Unido, França”, afirmou.

“No atual estágio das relações internacionais, em meio ao antagonismo crescente entre EUA e China, à Guerra da Ucrânia e à ameaça de volta de Guerra Fria, a ampliação do conselho é uma miragem, uma ilusão distante. Comparada a ela, a inclusão de novos membros no Brics é uma realidade já efetivada.”

Oliver Stuenkel, professor de relações internacionais da FGV, acrescenta que a reforma do Conselho de Segurança da ONU não depende só do Brasil. “A probabilidade de vermos uma reforma de fato na próxima década, por exemplo, é pequena. Pode-se argumentar que a China conseguiu agregar seis membros [ao Brics] no ano que vem, enquanto o Brasil conseguiu uma mudança de postura [da China], algo que representa um dos muitos aspectos que precisam mudar para o Brasil entrar [no Conselho de Segurança].”

Ele destaca, porém, que o Brasil não tinha condições de bloquear a expansão. Por isso, é relevante que o Itamaraty tenha conseguido concessões. “O custo político de impedir a ampliação teria sido enorme, e o Brasil não queria ficar com a pecha de que não queria deixar ninguém entrar num clube exclusivo.”

RICARDO DELLA COLETTA / Folhapress

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