SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O STF (Supremo Tribunal Federal) retomou nesta quinta (24) o julgamento da descriminalização do porte de drogas para uso pessoal.
Os ministros avaliam a constitucionalidade do artigo 28 da lei 11.343/2006, a chamada Lei de Drogas. O artigo considera crime adquirir, guardar, transportar ou cultivar drogas para consumo pessoal. O placar está em 4 a 0 a favor da descriminalização.
A ação foi movida pela Defensoria Pública de São Paulo. O órgão argumenta que o uso de drogas não afronta a saúde pública, apenas a saúde pessoal do usuário, quando muito. Afirma ainda que o artigo 28 contraria o princípio da intimidade e da vida privada.
O Ministério Público, por sua vez, defende que o artigo é constitucional. Em memorial enviado ao STF, o procurador-geral de Justiça Mario Luiz Sarrubbo afirma que a criminalização da posse de drogas é algo “imperativo” no momento atual do Brasil.
“Se declarada a inconstitucionalidade do artigo 28, como se controlará a posse e o consumo das drogas: poderá se dar em qualquer lugar público ou apenas nos recantos da vida privada? Onde poderá o usuário fumar sua porção de crack? Na calçada da escola? Será admitida a injeção de cocaína na corrente sanguínea numa praça, em plena luz do dia? Aliás, quem venderá a droga? Tais ‘liberdades’ estão realmente de acordo com a Constituição Federal brasileira? Cremos que não”, escreveu.
A retomada do julgamento no Supremo desagradou parlamentares. O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), por exemplo, disse que o debate sobre a descriminalização das drogas é competência do Congresso Nacional.
“Se pretender legalizar ou descriminalizar, que é uma tese que pode ser sustentada por aqueles que defendem que a questão é mais de saúde pública do que uma questão judicial ou uma questão penal, o foro de definição dessa realidade é o Congresso Nacional”, disse Pacheco no último dia 3.
Conheça os argumentos de outras entidades que já se manifestaram a respeito da descriminalização das drogas.
ARGUMENTOS A FAVOR DA DESCRIMINALIZAÇÃO DAS DROGAS
**Pastoral Carcerária e Conectas Direitos Humanos**
Citam a marginalização, com a repressão ao tráfico, de grupos já vulnerabilizados e defendem a inconstitucionalidade do artigo 28 também por violação à intimidade e à vida privada. Leia trechos de documento enviado ao STF:
“A guerra às drogas tem legitimado operações policiais em territórios majoritariamente negros, que culminam no aumento de conflitos e de mortes dessa população. Não há qualquer constrangimento por parte dos agentes do Estado em promover um apagamento racial. Não há observância da lei ou de ordens judiciais no cumprimento dessas operações.”
“Além da violação aos primados da lesividade, da intimidade e da vida privada, conclui-se que também o malogro da política repressora aplicada a usuários e dependentes de drogas, que contribui para estigmatização e marginalização de grupos historicamente vulnerabilizados, o que serve de forte argumento ao reconhecimento da inconstitucionalidade do artigo 28 da Lei nº 11.343/2006.”
**Rede Jurídica pela Reforma da Política de Drogas**
Cita o fracasso da guerra às drogas e defende a fixação de um “standard probatório” para o crime de tráfico. Veja trechos de manifestação enviada ao STF:
“Por mais que tenha crescido a incidência de políticas repressivas de combate às drogas, com a criação de mecanismos internacionais, legislações mais severas e aumento do financiamento da guerra às drogas, percebe-se, em verdade, o aumento do tráfico nas últimas décadas. Se a intenção do legislador era reduzir o consumo de drogas, podemos dizer que o fracasso é retumbante. Esta afirmação se baseia no ‘Relatório Mundial sobre Drogas 2021’, do Escritório das Nações Unidas sobre Drogas”. (…) As projeções atuais sugerem um aumento de 11% no número de pessoas que usam drogas globalmente até 2030″.
“Compete à acusação o ônus de provar a existência de interesse negocial (ânimo mercantil) do autor do crime, eis que a ausência de tal elemento (intento mercantil) resultaria na presunção de que a posse da droga seria para “consumo pessoal”, levando à impossibilidade de que a ocorrência seja caracterizada como crime de tráfico”.
**Iniciativa Negra por uma Nova Política de Drogas**
Afirma que a população negra é a mais afetada pelos impactos da Lei de Drogas e propõe que o debate seja feito a partir de uma perspectiva racializada. Leia trecho de manifestação apresentada ao STF:
“A população negra, além de ser a que mais sofre com a discricionariedade estatal na definição do que é tráfico e do que é consumo, também é a que mais é afetada com a ausência de políticas públicas de saúde que enfrentam a questão da dependência como deveria ser. É uma via de mão dupla, que atropela na ida e na volta.”
ARGUMENTOS CONTRA A DESCRIMINALIZAÇÃO DAS DROGAS
**CFM (Conselho Federal de Medicina) e ABP (Associação Brasileira de Psiquiatria)**
Em nota conjunta divulgada no último dia 16, afirmam que a descriminalização das drogas pode resultar no “aumento do consumo, no comprometimento da saúde (de indivíduos e pública) e no fortalecimento do narcotráfico”. Também fazem críticas ao uso terapêutico da Cannabis.
“Para o CFM e a ABP, o consumo da maconha -mesmo sob alegação ‘medicinal’- representa riscos à saúde de forma individual e coletiva. Trata-se de droga que causa dependência gravíssima, com importantíssimos danos físicos e mentais, inclusive precipitando quadros psicóticos (alguns não reversíveis) ou agravando sintomas e a evolução de padecentes de comorbidades mentais de qualquer natureza, dificultando seu tratamento, levando a prejuízos para toda a vida.”
**Adepol (Associação dos Delegados de Polícia do Brasil)**
Em manifestação enviada ao STF ainda em 2015, quando foi iniciado o julgamento, e reafirmada neste ano, a Adepol se posicionou contra a descriminalização das drogas. Leia um trecho:
“Sob o ponto de vista da segurança pública, é de sabença comum que descriminalizar o uso das drogas é fazer o consumo crescer. E mais usuários significarão mais traficantes de drogas e de armas pesadas. Mais traficantes, mais violências no cotidiano, com verdadeira ‘guerrilha urbana’ nas grande cidades.”
**CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil)**
Em vídeo divulgado recentemente, o secretário-geral da CNBB, dom Ricardo Hoepers, reafirmou a posição da entidade contra a descriminalização das drogas.
“O uso indevido de drogas interfere gravemente na estrutura familiar e social. Está entre as causas de inúmeras doenças, de invalidez física e mental, de afastamento da vida social”, disse Hoepers. “A liberação do consumo de drogas facilitará a circulação dos entorpecentes. Haverá mais produtos à disposição, legalizando uma cadeia de tráfico e de comércio, sem estrutura jurídica para controlá-la”, acrescentou.
Redação / Folhapress