Índia resiste a ‘moeda do Brics’, e tema ganha tratamento tímido em cúpula

JOANESBURGO, ÁFRICA DO SUL (FOLHAPRESS) – Tema caro ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), a ideia de uma moeda de referência para o comércio entre os países do Brics —com o objetivo de reduzir a dependência do dólar— teve tratamento tímido na declaração negociada entre os governos de Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul.

O assunto foi tratado brevemente em dois parágrafos no texto divulgado nesta quinta-feira (24), após o encontro dos líderes do Brics em Joanesburgo (África do Sul).

Primeiro, o documento ressalta a importância do incentivo ao uso de moedas locais no comércio internacional e nas transações dentro e fora do Brics. Depois, diz que o tema será analisado pelas áreas econômicas de cada país.

“Nós instruímos nossos ministros de Finanças e/ou presidentes dos Bancos Centrais, como for apropriado, a analisar o tema das moedas locais, instrumentos de pagamento e plataformas”, diz o documento.

Ainda de acordo com a declaração, os ministros deverão produzir um relatório a ser apresentado aos líderes na próxima cúpula, que ocorrerá em 2024 na Rússia.

Segundo a reportagem apurou, a Índia não aceitou que uma linguagem mais ousada sobre desdolarização fosse adotada.

Durante as negociações, os representantes indianos disseram que não poderiam assumir compromissos sobre o assunto enquanto não fossem concluídos estudos por sua área econômica em Nova Déli.

O Brasil, por exemplo, tentou emplacar uma menção explícita à busca por um instrumento de transações internacionais do Brics —algo que a Índia rejeitou.

O bloqueio do governo liderado pelo premiê Narendra Modi frustrou principalmente a Rússia e a China.

Para Moscou, a desdolarização é prioridade para contornar as sanções impostas pelos Estados Unidos e aliados após a invasão da Ucrânia.

A China tem motivação semelhante: ter em mãos mecanismos para driblar medidas unilaterais do Ocidente que possam ser adotadas no futuro.

Interlocutores no governo Lula dizem que as razões do Brasil são diferentes. Eles afirmam que o país não busca uma política antidólar como Pequim e Moscou.

O objetivo, dizem, é deixar o país bem posicionado e com instrumentos para quando o yuan (moeda da China) se consolidar como moeda de reserva internacional.

A questão da desdolarização esteve presente nos discursos de Lula na cúpula do Brics. A reunião de líderes do bloco ocorreu entre os dias 22 e 24.

O principal resultado foi o anúncio de seis novos integrantes do Brics: Argentina, Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos, Egito, Etiópia e Irã.

Em entrevista a jornalistas na quinta, Lula afirmou querer uma moeda de referência que permita ao Brasil fazer negócios sem depender do dólar.

“Ninguém quer mudar a unidade monetária do país. Queremos criar uma moeda que permita que a gente faça negócios sem precisar comprar dólar. Não houve nenhum fórum no mundo que decidiu que o dólar seria a moeda de referência para os negócios”, afirmou Lula.

“Simplesmente acabaram com o [padrão] ouro, entrou o dólar e ficou. Então nós decidimos criar uma moeda porque isso facilita a vida das pessoas. Não queremos pressa, não é uma coisa simples de fazer”, disse.

Horas antes, ao participar do anúncio da ampliação do Brics, Lula colocou a moeda como um dos destaques da cúpula.

“Aprovamos ainda a criação de um grupo de trabalho para estudar a adoção de uma moeda de referência do Brics. Essa medida poderá aumentar nossas opções de pagamento e reduzir nossas vulnerabilidades”, disse.

Embora Lula trate do assunto com entusiasmo, há ceticismo sobre a sua viabilidade dentro do próprio governo e, principalmente, no Banco Central.

A resistência da Índia no tema da moeda de referência não surpreendeu analistas. Apesar de ser fundador do Brics, o país é hoje a principal força de contenção regional à China na Ásia.

Nova Déli tem adotado políticas de aproximação aos Estados Unidos. Por exemplo: a Índia integra o Quad, grupo de segurança regional que também reúne EUA, Japão e Austrália, rivais da China.

Modi ainda tem sido cortejado pelo presidente americano Joe Biden e outros líderes europeus. Dessa forma, a avaliação é que ele não tem interesse em abraçar medidas que possam ser interpretadas como antiamericanas.

RICARDO DELLA COLETTA / Folhapress

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