SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A mineira Nathana Venancio, 30, diz que sua aptidão pelo breaking está no sangue. Nascida em Uberlândia, começou a frequentar as cyphers da cidade, como são chamadas as rodas onde acontecem as batalhas da dança, em 2008, a convite de um antigo professor.
Cinco anos depois, sua mãe lhe contou um segredo: fora numa dessa rodas que que ela havia conhecido seu pai, morto quando Nathana ainda era criança. “Não achei que você fosse levar tão a sério”, confessou a progenitora.
Sem seriedade seria impossível, entretanto, chegar onde ela está hoje. Competidora e jurada de eventos internacionais de breaking, Nathana figura entre as 60 melhores b-girls no ranking mundial de atletas da modalidade, e já disputa, com os outros membros da seleção brasileira, uma vaga para as Olimpíadas de Paris, em acontecem em menos de um ano.
Na capital francesa, 16 e b-boys e 16 b-girls vão entrar na disputa por medalhas. O país europeu tem direito a duas vagas, uma por gênero. Outras quatro vagas estão reservadas para atletas de países sub-representados nos Jogos, convidados por um comitê formado para assegurar o princípio da universalidade na competição.
Atletas podem conseguir os 26 lugares restantes de três diferentes maneiras. A primeira é vencendo o campeonato mundial de breaking, que ocorre em setembro deste ano na Bélgica.
A segunda é ganhando um dos cinco campeonatos continentais vinculados à Federação Internacional de Dança Desportiva (WDSF, na sigla em inglês). No caso do Brasil, essa disputa é pelo Panamericano, em novembro, no Chile.
A última chance de conseguir uma vaga em Paris é acumulando pontos nos eventos internacionais que têm acontecido desde setembro de 2022 e vão até o fim deste ano. Os 40 melhores no ranking mundial irão então disputar os três eventos da série de classificatórios olímpicos, em Paris, entre março e julho de 2024. Nessa etapa, serão selecionados os outros 14 atletas (7 por gênero) que competem nas Olimpíadas.
A ideia de inclusão do breaking em Paris partiu do próprio comitê organizador francês, e foi endossada pelo COI (Comitê Olímpico Internacional). A entidade deseja renovar a audiência dos jogos e embasou sua aposta na experiência bem-sucedida da modalidade nos Jogos da Juventude de 2018.
A dança é um dos elementos que compõem a cultura hip hop, que surgiu nos guetos americanos há 50 anos. Nas cyphers batalham dois ou mais dançarinos. Em disputas oficiais, há um MC que apresenta os duelos. Quando o DJ inicia a música, um dos atletas precisa entrar na roda e apresentar sua sequência de passos. Depois, é a vez da réplica do oponente.
Nos Jogos Olímpicos, as performances serão julgadas por um sistema complexo de pontuações. Além do controle do corpo, da variedade e da execução clara dos movimentos, os critérios englobam ainda a habilidade dos atletas sincronizarem suas danças com a música, a capacidade de improvisação, a espontaneidade e até a personalidade do dançarino.
“É um sistema subjetivo. Você não tem movimentos obrigatórios, mas tem fundamentos. [Numa batalha] não precisa saltar se não quiser, mas, se saltar, tem que saltar de determinada maneira”, explica Lucimar dos Santos, coordenadora de Alto Rendimento da Conselho Nacional de Dança Desportiva (CNDD), que prepara a seleção para Paris.
A equipe brasileira tem seis membros, e foi formada após o campeonato brasileiro de 2022. Nathana conta com um conterrâneo, o b-boy Rato. Do Pará, vêm a b-girl Mini Japa e o b-boy Leony. A b-girl Touquinha e o b-boy Luan San são os representantes paulistas do time.
A fim de satisfazer os critérios mais abstratos do julgamento nas Olimpíadas, os atletas buscam inspiração em outras modalidades e ritmos. Para escapar com charme de uma escorregada no meio de uma acrobacia, por exemplo, a saída de Nathana é se lembrar das aulas de dança contemporânea que ela frequentava antes de descobrir o breaking.
Já Leony, natural de Ananindeua (PA), bebe das danças típicas da região, como o carimbó e o tecnobrega. “Eu busco os conceitos, sabe? O carimbó tem muito giros. O brega é sobre as passadas de mão, se dança em par. Eu não tenho par, mas finjo que meu par é o chão”, diz.
O b-boy é bem cotado como medalhista em Paris. No ano passado, acabou em 29º lugar no mundial de breaking. Venceu por cinco anos a etapa brasileira do Red Bull BC One, um dos maiores campeonatos da modalidade, organizado pela marca de energéticos que também o patrocina.
Antes de conseguir se sustentar apenas com breaking, o b-boy trabalhou como reparador de bicicletas, atendente de loja, faz-tudo em obras e camelô. O paraense avalia que a estreia do breaking nos Jogos Olímpicos abriu espaço para maiores ganhos financeiros pelos atletas.
“O breaking continua sendo o breaking, mas nossa exposição midiática aumentou. Muita gente já sabia o que era, mas não sabia nomear. Agora nos jornais não têm só futebol, sempre tem uma noticiazinha do skate, uma noticiazinha do breaking”, diz.
A opinião de que o ingresso nas Olimpíadas foi positiva para o esporte é compartilhada por nomes historicamente ligados à prática, mas o processo de formação da seleção não aconteceu sem conflitos.
Criado em 2013, o CNDD foi reconhecido pela WDSF no ano seguinte como representante da dança desportiva no Brasil. Foi isso que o habilitou a ser tratado pelo Comitê Olímpico Brasileiro (COB) como responsável por gerenciar o breaking no país em nível olímpico, mesmo sem nunca ter organizado nenhum evento específico da modalidade.
O departamento de breaking foi criado pelo CNDD em janeiro de 2021, após o anúncio da inclusão da modalidade em Paris-2024. Mas a Confederação Brasileira de Breaking (CBRB), que já organizava campeonatos nacionais, acusa o conselho de se fechar ao diálogo. Em contrapartida, o CNDD afirma que o processo é democrático.
Apesar das divergências, o CNDD se diz confiante em emplacar os atletas brasileiros na Olimpíadas. Os dançarinos têm recebido apoio de treinadores, nutricionistas e psicólogos. “A expectativa é grande”, afirma Santos.
MANUELA FERRARO / Folhapress