Walter Salles faz filme sobre a vida de Eunice, mãe de Marcelo Rubens Paiva

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – “Quando tinha 13 anos, conheci Nalu, a irmã do meio de Marcelo [Rubens Paiva]. Eu tinha voltado a morar no Rio no final de 1969, e conhecer a família da Nalu e do Marcelo abriu a minha cabeça”, conta o cineasta Walter Salles.

“A casa de Rubens e Eunice no Leblon era generosa, acolhedora, um ponto de encontro de muitas tribos, do Millôr e do pessoal do Pasquim aos amigos das irmãs do Marcelo. Ali aprendi a amar Caetano e Gil, toda a Tropicália, e a ouvir altas discussões políticas. Rubens era o elo afetivo entre esses diferentes grupos etários. Lembro seu riso largo, seu humor contagiante. Eunice tinha uma força tranquila, parecia ser o fio terra daquela família”, ele diz, sobre a mãe do autor.

A casa do Leblon é cenário de uma parte do próximo filme do cineasta, uma adaptação do segundo livro autobiográfico de Marcelo Rubens Paiva, “Ainda Estou Aqui”, publicado em 2015, que conta a história de sua mãe, Eunice Paiva, morta em 2018, aos 86 anos.

“Aprendi realizando ‘Diários de Motocicleta’ que um filme inspirado por fatos reais será sempre uma aproximação daquilo que foi efetivamente vivido”, afirma o diretor.

“O filme, como o livro, é construído em torno dos afetos da família Paiva. O fato de ele também marcar o reencontro afetivo com coautoras incríveis como Nanda Torres, Fernanda Montenegro e Daniela Thomas tem sido fundamental para o tornar possível.”

“Ainda Estou Aqui” tem Fernanda Torres e Fernanda Montenegro no papel de Eunice Paiva, em diferentes momentos da vida, e ainda está sendo filmado –portanto não há data prevista para o lançamento. O ator Selton Mello vive Marcelo Rubens Paiva.

“‘Ainda Estou Aqui” é uma obra de maturidade, de uma profunda beleza, em que Marcelo compreende que Eunice foi protagonista da história de sua família. O livro é um mergulho fascinante no mecanismo da memória, o retrato de uma mulher que se reinventou para lutar por justiça e que ampliou o foco da sua luta para abraçar a defesa dos direitos indígenas”, diz o diretor.

“Sua atuação como advogada nessa área foi fundamental para vários processos de demarcação. Que uma mulher à frente de seu tempo como Eunice, que se dedicou a reconstruir a memória de sua família e a preservar a memória dos povos originários, venha a sofrer da doença de Alzheimer é algo que me tocou

profundamente”, acrescenta.

Walter Salles conta que leu “Feliz Ano Velho” assim que o livro foi lançado e afirma que a obra foi uma experiência emocional forte para ele.

“O livro trouxe à tona um não dito, algo que tinha ficado engasgado na garganta. Marcelo escreveu não somente um romance de formação, mas também revelou a extensão da dor e das cicatrizes de quem cresceu sob um regime ditatorial. Nesse país marcado pela ‘desmemória’, como cunhou Silviano Santiago, um jovem escritor superpunha o drama pessoal e a tragédia de todo um país. A história individual e a história coletiva se imbricavam. Toda uma geração se viu refletida ali”, diz Salles.

“A peça, assim como o livro, deu régua e compasso para a ânsia por liberdade, os desejos e as angústias de toda uma geração”, afirma, ainda, o diretor. Salles acredita que tanto a peça quanto o livro foram mais que um fenômeno pop.

“Marcelo, no seu exercício de reconstrução da memória, olhou não só para seu drama pessoal, mas para todo um contexto histórico, político, comportamental. A influência do livro transcendeu a literatura. A narrativa na primeira pessoa acabou ganhando vários campos de expressão. É cada vez mais presente no cinema documental, por exemplo.”

Salles lembra também a importância da prisão e da morte de Rubens Paiva, pai de Marcelo, em 1971. “O desaparecimento de Rubens marcou, para muitos de nós, o fim da inocência. O crime cometido contra Rubens Paiva ecoa até hoje, e o livro ‘Feliz Ano Velho’ foi fundamental para que essa memória permanecesse viva.”

TETÉ RIBEIRO / Folhapress

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