Psicólogos também fazem terapia para manter a saúde mental

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – “Nossa, mas você não pode se irritar com isso. Afinal, você é psicólogo.” É um dos comentários que esses profissionais costumam ouvir quando estão fora de seus consultórios e, por algum motivo, ficam nervosos com uma situação.

Para a psicóloga clínica especialista em neuropsicologia Marina Ambar, esse tipo de pensamento faz parte do imaginário de como um psicólogo deve se comportar, mesmo quando não está atendendo.

“Acho que colocam a gente num lugar de pessoas neutras em todos os sentidos e detentoras do conhecimento, o que não é verdade. Esse tipo de pensamento acaba nos sobrecarregando, tanto no sentido de que precisamos sempre ter respostas, a qualquer momento que nos perguntem algo, quanto no sentido de que devemos estar blindados de sentimentos”, afirma.

A capacidade de sentir, inclusive, é uma aptidão que deve fazer parte da vida daqueles que seguem essa carreira.

“A profissão de psicólogo requer sensibilidade, habilidade de compreensão e desprendimento de julgamento. Mas, ao mesmo tempo, é preciso se manter crítico”, diz Claudinei Affonso, coordenador do curso de psicologia da PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo).

A atenção que os psicólogos precisam sustentar durante várias sessões ao longo do dia, em que atendem diferentes pacientes com as mais diversas demandas, também é um atributo importante da profissão.

“É extremamente cansativo ter uma escuta ativa o tempo todo, é necessário ter muita concentração. Nesse sentido, a terapia ajuda muito a como direcionar a nossa energia”, relata Ambar.

Além do papel importante que a psicoterapia tem para o desenvolvimento pessoal e autoconhecimento, a psicóloga destaca a relevância da prática para o bem da própria profissão.

“O processo terapêutico é imprescindível porque muitos conteúdos que os pacientes trazem para a terapia acabam atravessando o psicólogo também, e a gente tem que saber o que é nosso e o que é do paciente”, ressalta Ambar, que é formada em psicologia há quatro anos e começou a fazer terapia antes mesmo de entrar na faculdade.

Por isso, em alguns momentos, esses profissionais trocam de cadeira e deixam o lugar de analista para se tornarem os analisados.

Claudinei Affonso afirma que, para um psicólogo, é muito importante se submeter à psicoterapia para preservar a própria saúde mental.

Para a psicóloga e psicanalista Ana Carolina Fantin, independentemente da abordagem teórica que o profissional seguir, é fundamental se submeter ao método por meio do qual pretende atender outras pessoas.

“Por meio da terapia, o psicólogo pode aprender a separar o que é seu e o que é do outro, evitando ou contornando muito bem as identificações com seus pacientes que, não sendo percebidas e trabalhadas, poderiam levar a condutas inadequadas”, observa Fantin, que tem 20 anos carreira e também faz análise desde antes de ingressar na universidade.

“Há também a importância de poder lidar com o que chamamos de contratransferência, que são os sentimentos e pensamentos que os pacientes despertam em seus terapeutas. Sem uma boa terapia, uma boa análise, lidar com isso é um tanto difícil”, afirma.

Para que os profissionais saibam manejar todas essas situações, eles são orientados a fazer psicoterapia quando ainda estão na graduação.

David Pio Alcantara, aluno do sétimo período de psicologia da Ufes (Universidade Federal do Espírito Santo), diz que alguns professores de disciplinas mais voltadas ao atendimento clínico costumam fazer essa indicação. Ele mesmo já era paciente antes de passar no vestibular e continua com as sessões até hoje.

“A terapia é uma oportunidade de ser vulnerável a uma escuta qualificada. Querendo ou não, sentar no lugar de quem fala nos ensina muito sobre como as pessoas que vêm até nós para serem ouvidas”, diz.

Pablo Castanho, coordenador do Centro Escola do Instituto de Psicologia da USP (Universidade de São Paulo), enfatiza que, embora exista essa cultura de estimular os estudantes a iniciarem um processo terapêutico, não é algo que seja exigido. Afinal, muitos alunos não têm condições financeiras para arcar com os custos do tratamento.

A importância de ter esse acompanhamento se dá porque, durante o curso, o universitário entra em contato com conteúdos e relatos que abordam problemas de saúde mental e situações de muito sofrimento, como casos de depressão grave, suicídios e abusos sexuais.

“Acredito que os cursos de psicologia deveriam desenvolver estratégias dentro de um marco pedagógico para lidar com essa dimensão de mobilização emocional que o próprio estudo e a própria atividade de estágio despertam nos estudantes, para que a realização da psicoterapia individual possa ser postergada para um momento em que pessoa já tenha mais condições de pagar”, afirma Castanho.

Uma saída, diz o professor, é poder contar com uma rede de interlocução e conversar com outros colegas sobre casos clínicos –sempre mantendo o sigilo profissional, claro.

Às vezes, isso é feito no modelo de supervisão, quando um psicólogo consulta um profissional mais experiente para debater sobre determinado caso. Mas também pode acontecer de forma mais horizontal, explica Castanho, quando alguns psicólogos se reúnem para conversar sobre desafios que estão enfrentando nos atendimentos.

O coordenador do Centro Escola do Instituto de Psicologia da USP diz que, de modo geral, os estudantes que optam pela graduação em psicologia já têm uma sensibilidade e um interesse maior em relação às questões da mente humana, por isso, quando têm condições, fazem psicoterapia desde jovens.

Mas esses profissionais não precisam passar pelo processo terapêutico durante todo o tempo que durar a carreira. “A terapia é um artifício para potencializar algumas coisas que estão na vida. Então, sim, o psicólogo pode fazer terapia, ter alta, continuar atendendo seus pacientes e, como qualquer outro, voltar para a terapia porque algo aconteceu, como a morte de alguma pessoa próxima, um remanejamento da profissão, ou mesmo quando o caso de um paciente despertar algo que estava ali mais escondido e que demanda um cuidado mais intenso”, diz.

Neste domingo (27) é celebrado do Dia do Psicólogo. A data remonta ao ano de 1962, quando a profissão foi regulamentada pelo então presidente João Goulart (1919-1976) a partir da publicação da Lei nº 4.119, em 27 de agosto.

SÍLVIA HAIDAR / Folhapress

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