SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O transplante de coração, como ao que foi submetido o apresentador Fausto Silva neste domingo (27), requer uma combinação de diversos fatores para dar certo. Um sistema rigidamente regulado por leis e protocolos que envolve empenho, tecnologia, profissionalismo e um pouco de sorte do paciente.
É impossível que fatores como poder financeiro e a influência garantam prioridade ao receptor, segundo o médico Bruno Biselli, supervisor do programa de insuficiência cardíaca e transplante do HCor. Ele contou à reportagem o passo a passo para realização de um transplante.
A corrida para o transplante tem início assim que há suspeita de que um paciente hospitalizado perdeu a atividade cerebral. Diz-se que o potencial doador está em morte encefálica.
Havendo o evento neurológico, os órgãos ainda precisam estar em funcionamento para que o transplante seja viável.
Um protocolo legal é iniciado. Após a avaliação e confirmação, uma equipe de captação de órgãos. São grupos ligados a instituições de saúde, identificados pela sigla OPOs (Organizações de Procura de Órgãos).
A atuação dos grupos é regional, uma vez que a regulação das doações é coordenada pelos governos estaduais.
Essa equipe é responsável por fazer contato com a família do doador e pedir a autorização para a doação. No Brasil, é a família a responsável por tomar essa decisão.
Com o aval da família, uma central estadual de transplantes avalia quais são os pacientes na fila de transplantes que estão aptos no estado.
FILA É NACIONAL, MAS GRAVIDADE, LOCAL E COMPATIBILIDADE INFLUENCIAM ORDEM
A lista de transplantes é única, controlada pelo SUS (Sistema Único de Saúde), e vale para as redes pública e particular.
Antes do tempo de inscrição, a gravidade do paciente garante prioridade a alguns casos.
Dentro da fila principal há uma fila secundária, organizada pelo tipo sanguíneo dos pacientes.
Existem ainda outros critérios a serem considerados, como o peso, a altura e um exame imunológico que determina se há compatibilidade entre doador e receptor.
A idade do doador é relevante. No Brasil, doadores acima de 45 anos costumam ser rejeitados, pois o coração precisaria passar um cateterismo para a identificação de doença coronária e faltam recursos para isso.
Além disso, o elevado número de mortes violentas de jovens, sobretudo em acidentes de motocicletas ou baleados, aumenta a disponibilidade de potenciais doadores jovens.
Se houver incompatibilidade imunológica, ou seja, há a detecção de que o receptor tem anticorpos já formados em para o tecido daquele doador, considera-se que há elevada chance de rejeição hiperaguda. Neste caso, o órgão passa para o próximo da fila que seja compatível.
É impossível alterar a posição da fila por critérios que não sejam técnicos, afirma Bruno Biselli, supervisor do programa de insuficiência cardíaca e transplante do HCor.
Equipes de cirurgiões vão para onde está o doador. Retiram o coração, que tem prioridade, e depois fazem a captação de outros órgãos.
O coração é retirado enquanto ainda está batendo. O órgão é mergulhado em uma preparação química, uma solução de preservação, num saco plástico estéril. Em seguida, é colocado em uma caixa térmica com gelo.
Mantê-lo com mínima atividade metabólica durante o transporte é o objetivo deste preparo.
TRANSPORTE É ETAPA ONDE DINHEIRO PODE FAZER DIFERENÇA
Três horas e meia é o prazo considerado adequado entre a retirada do coração do doador e a implantação no receptor. Depois disso, o órgão pode ser considerado prejudicado.
Ambulância, helicóptero e avião podem ser utilizados no transporte. Isso depende da distância e disponibilidade.
O transporte aéreo ocorre quando doador e receptor estão distantes, eventualmente, em diferentes unidades de federação.
Embora o sistema de busca seja regional, a lista é nacional e se o órgão não é compatível com nenhum paciente de um determinado estado, é necessária uma operação aérea para atender alguém em outra região do país.
Esta é uma das poucas etapas em que a condição financeira da família do paciente pode fazer diferença, pois o transporte aéreo costuma depender da disponibilidade de aeronaves da Força Aérea Brasileira e da Polícia Militar, por exemplo. Receptores que têm condições de custear voos podem, legalmente, utilizar aeronaves particulares.
PACIENTE ESPERA JÁ SEM O CORAÇÃO DOENTE
Enquanto o coração é retirado do doador, quem irá receber a doação começa a ser preparado.
No centro cirúrgico, o receptor tem o peito aberto para a retirada do coração doente.
É um trabalho cronometrado, calculado para ter sincronia com a chegada do coração sadio.
Sem o coração, o paciente é mantido vivo por uma máquina de circulação extracorpórea, que faz a circulação do sangue. É um mecanismo usado em praticamente todas as cirurgias cardíacas.
Com o novo coração disponível, cada vaso é suturado, de forma anatômica, ou seja, buscando o melhor ajuste possível para que o sistema seja reconstruído como era originalmente.
Quando está com os vasos suturados, o sangue do receptor começa a entrar no coração novo e, desta forma, começa a “lavar” a solução de preservação que mantinha o coração parado, além de aquecer o órgão.
Ao voltar a ser perfundido pelo sangue, o coração começa a ter atividade elétrica. Volta a bater.
A circulação extracorpórea é dispensada.
Eventualmente, um pequeno choque elétrico, direto no órgão, é necessário para a regulação do ritmo. Pode existir necessidade de marcapasso provisório.
Em alguns minutos, porém, é normal que o coração esteja batendo no ritmo próprio.
PRIMEIROS DIAS SÃO CRÍTICOS
O pós-operatório é parecido com cirurgia cardíaca qualquer, numa UTI. O paciente costuma ser extubado em 48 horas após o transplante.
Imunossupressores serão necessários por toda a vida para evitar que o coração seja compreendido como um tecido que não pertence ao corpo. Esses medicamentos têm o papel de inibir o sistema imunológico.
Há tendência de redução dos medicamentos e há casos de pacientes com sobrevida de duas décadas com doses mínimas de medicação imunossupressora.
A fase inicial é a mais crítica pós-transplante é a mais crítica, em especial as primeiras 48 horas, e, depois, os primeiros 30 dias.
No primeiro ano, a taxa de sobrevida é de 80%. Ao passar disso, espera-se que o paciente viva por mais de 12 ou 13 anos.
CLAYTON CASTELANI / Folhapress