SÃO PAULO, SP (UOL/FOLHAPRESS) – Ser atleta de alto rendimento demanda dedicação integral, ou quase isso, e muitas horas de descanso. Toda regra, porém, tem exceção. Bruno Lobo está classificado às Olimpíadas de Paris mesmo tendo dedicado toda sua vida adulta à formação em medicina, treinando e competindo apenas nas horas vagas.
Agora um cirurgião especializado em joelhos, com residência em um dos hospitais mais conceituados do país, Bruno pode voltar suas atenções ao sonho de menino: ser medalhista olímpico. E não é um sonho distante. Na semana retrasada, ele foi o melhor brasileiro no Mundial de Vela, entre todas as dez classes olímpicas, terminando em nono na Fórmula Kite.
Quando era garoto, Bruno sonhava disputar uma Olimpíada como nadador. Competia no estilo peito e em provas de 400m e 800m livre e chegou à seleção brasileira de base. Como também gostava de correr e pedalar, migrou para o triatlo. Foi campeão brasileiro júnior e tentou estrear em Olimpíadas pelos Jogos da Juventude de 2010, mas acabou em 37ª na seletiva continental.
Uma série de lesões, porém, encerraram sua carreira aos 18, quando decidiu se dedicar à medicina. Passou de primeira no vestibular da Universidade Federal do Maranhão e se aposentou do esporte de alto rendimento. Mas não da prática esportiva.
“O kite encontrou como brincadeira nos fins de semana. Meu pai sempre me incentivou a praticar esportes, ele começou a fazer, me chamou, e eu fui junto. Com o tempo, comecei a investir mais tempo, e vi que levava jeito. Fui vendo que tinha bons resultados e fui conciliando com a medicina”, conta.
Na época, a ideia de o kiteboarding era só mais uma das dezenas, talvez centenas, de provas/modalidades/esporte que pleiteiam entrar no seleto programa olímpico. Antes tido como um “esporte”, com sua própria federação internacional, o kite, porém, aceitou ser incorporado como uma classe da vela. Como a World Sailing já é uma federação ‘olímpica’, o caminho foi encurtado.
Em 2018, o Comitê Olímpico Internacional (COI) aceitou a sugestão de retirar mais uma classe tradicional do programa (desta vez a Finn) para incluir uma modalidade de kite. Na época, Bruno já era o melhor do país, campeão nacional. Em 2019, foi ouro nos Jogos Pan-Americanos, que têm um programa diferente do olímpico na vela.
“Eu ainda estava na minha formação em ortopedia e ganhei o Pan. Mesmo na minha rotina, eu tinha bons resultados. Mas claro que quando a gente fala que o esporte vira olímpica, a evolução é muito grande”, reconhece.
ENTRE UM PLANTÃO E OUTRO
Mesmo com os Jogos de Paris no horizonte, Bruno optou por priorizar a conclusão de sua formação e foi aprovado para fazer residência no Hospital Albert Einstein, em São Paulo, para se tornar especialista em joelhos. O hospital fica próximo ao Estádio do Morumbi, e o único local para treinamento na cidade é a represa de Guarapiranga.
“Durante todos esses anos, foi o perÍodo mais difÍcil. Eu tinha que treinar nos horÁrios livres. Entrava 17h na água e saía ao anoitecer. Conciliava com estudos e treino. Eu ficava no hospital 60 horas semanais, então treinava antes de ir para o hospital, trocava almoço por treino. Foi muito difícil e só consegui porque ando de moto e usava ela para me locomover.”
Em 2022, depois de onze anos, Bruno finalmente completou sua formação. É ortopedista especializado em joelhos e médico do esporte. E pôde, finalmente, passar a dedicar mais tempo à carreira de atleta. Só no ano passado, pela primeira vez, ele fez uma temporada de competições na Europa, algo corriqueiro para um velejador do nível dele.
Os resultados têm aparecido. De 18º nos Mundiais de 2021 e 2022, passou a nono lugar neste ano. Foi ainda 11º no Princesa Sofia, evento importante na Espanha, e quinto colocado no evento-teste da Olimpíada, em Marselha, onde serão as provas de vela.
Tudo isso, mesmo sem ter o apoio adequado. Ele recebe ajuda financeira do governo do Maranhão, a partir da Lei de Incentivo ao esporte, mas banca do próprio bolso, com o que ganha na medicina, a carreira como atleta. E reclama que não teve a valorização que esperava por parte do Comitê Olímpico do Brasil (COB).
“Muito foi prometido, pouco foi realizado. Precisa provar muito para conseguir algo. Entre os dez melhores do Mundial, eu sou o único que treino sozinho, que não tenho técnico. Se eu tiver outras condições tenho muito a evoluir. É isso que estou tentando mostar, e espero que isso mude, que eu receba ajuda com equipamento, estrutura de treino. Espero que a contrapartida chegue”, disse.
A reportagem procurou o COB, que informou que a Confederação Brasileira de Vela (CBVela) não apresentou projeto para uso do Programa de Preparação Olímpica (PPO) para Bruno Lobo e que, na última reunião com a entidade, “ficou alinhado que o foco do investimento seria a classe 49erFX e que as demais ficariam amparadas pelos recursos descentralizados ou próprios da confederação”. Uma nova reunião acontecerá nas próximas semanas para “uma nova análise esportiva e financeira para entender se haveria a possibilidade de contemplar outras classes no PPO”.
DEMÉTRIO VECCHIOLI / Folhapress