GUARUJÁ, SP (FOLHAPRESS) – A Operação Escudo, que se tornou marca da gestão Tarcísio de Freitas (Republicanos) na segurança pública, completa um mês nesta segunda-feira (28) com moradores de periferia da Baixada Santista amedrontados e abandonando suas casas. Com mais de 600 policiais mobilizados, a ação já deixou 22 pessoas mortas e não tem prazo para acabar.
Vizinhos e familiares das vítimas descrevem, em comunidades diferentes, o mesmo ciclo de medo nas últimas quatro semanas. Quando veem indícios de execuções, abuso da força policial e descumprimento de normas da Polícia Militar, protestam e denunciam.
Eles contam que as mortes frequentemente são seguidas por ameaças e intimidações com a intenção de impedir relatos que contrariem a versão da PM. Dias depois, policiais voltam aos locais das mortes em patrulhamentos e averiguações, e então as testemunhas resolvem abandonar o bairro com medo de represálias.
Na favela da ponta da praia do Perequê, em Guarujá, três moradores disseram que pensam em deixar a comunidade por causa da morte do encanador Willians Santana, de 36 anos, no dia 18 de agosto. Uma senhora que vive ali há mais de 30 anos fala em vender tudo e mudar de casa.
Eles dizem que ouviram os gritos de socorro antes da morte, com seis tiros, e que viram ao menos uma testemunha ser coagida. Por isso, pediram para não ser identificadas.
O próprio Santana fugiu após sofrer uma ameaça, segundo duas pessoas que conversaram com a reportagem. O encanador teria ficado cerca de duas semanas longe de casa e morreu no único dia em que voltou à favela, por causa do trabalho.
Casas vizinhas ao barraco onde ele morreu já estavam vazias na última quarta-feira (23). A parede de um campo de futebol em frente ao barraco onde ele morreu tinha palavras de protesto feitas a giz.
A debandada de moradores já ocorreu em outras comunidades de Guarujá. Na Vila Baiana, um casal de amigos do ambulante Felipe Vieira Nunes, 30, decidiram deixar a ilha de forma definitiva. Eles moravam na comunidade havia quatro anos.
Nunes foi morto com seis tiros por PMs, e os vizinhos também contam que ouviram seus gritos de socorro por vários minutos. Familiares disseram que ele tinha queimaduras de cigarro e cortes nos braços, fazendo dele o primeiro caso com relatos de tortura na operação. A SSP (Secretaria de Segurança Pública) afirma que os laudos não confirmam tortura.
A viúva do garçom Filipe Nascimento, 22, mudou de estado e voltou a morar com a família, no Nordeste. Nascimento morava com as duas filhas da esposa na comunidade Morrinhos 4, com quem estava casado há um ano e dois meses, e trabalhava em um quiosque na praia das Astúrias. Sua mulher diz que chegou a conversar com um PM no mesmo dia da morte, quando viu sua bicicleta ser jogada no mato, e deixou Guarujá por medo de perseguição.
Em Santos, uma moradora conta que policiais voltaram aos endereços onde dois homens, Layrton Oliveira e Flavio Sérgio Cabral, foram mortos no bairro do Jabaquara no dia 1º de agosto. Eles teriam entrado nas casas e conversado com testemunhas dos dois casos.
SECRETARIA DIZ QUE PATRULHAMENTO CAUSOU REAÇÃO DE CRIMINOSOS
A maioria dos casos que terminaram com mortes na Operação Escudo não teve PMs feridos. Segundo a SSP, toda a operação teve dois policiais atingidos por armas de fogo em quase 30 dias. Os dois casos ocorreram na primeira semana da operação e deixaram policiais em estado grave, disse a secretaria.
Um dos ataques ocorreu na manhã do dia 1º, quando a cabo Najara Fátima Gomes foi atingida com tiros de fuzil pelas costas. Dos quatro criminosos que participaram do ataque, dois foram presos, um morreu com um tiro na cabeça após a perseguição policial, e o último Rogério Nascimento Nunes, 36, considerado liderança do crime em Santos está foragido.
No último dia 15, um delegado da Polícia Federal foi baleado e, segundo entidade, ficou em estado grave. Esse caso não foi contabilizado entre as baixas da operação. A Escudo havia passado cerca de duas semanas sem mortes e, após o ataque ao delegado federal, seis pessoas foram mortas pela PM.
A megaoperação foi deflagrada no fim de julho, após o assassinato do soldado Patrick Bastos Reis, da Rota (tropa de elite da PM paulista). Três homens foram presos e são réus por suspeita de participar do homicídio.
A SSP informa que, ao completar 28 dias de operação, um total de 621 pessoas haviam sido presas (dessas, 236 eram foragidas da Justiça por vários crimes), e haviam sido apreendidos 900 quilos de drogas e 82 armas.
“Os laudos oficiais de todas as mortes, elaborados pelo Instituto Médico Legal (IML), foram executados com rigor técnico, isenção e nos termos da lei”, disse a SSP, em nota. “A pasta reforça que as denúncias podem ser formalizadas em qualquer unidade da Polícia Militar, inclusive pela Corregedoria da Instituição. Desvios de conduta não são tolerados e são rigorosamente apurados mediante procedimento próprio.”
Na quarta, era possível notar o policiamento reforçado em Guarujá, com viaturas de Baeps (Batalhões de Ações Especiais de Polícia) circulando em grupo e com luzes de giroflex sinalizando alerta.
As últimas mortes da operação ocorreram na noite de quarta-feira (23). Um homem de 25 anos em Guarujá e um adolescente de 17 foram mortos a tiros por PMs. A SSP disse que, nos dois casos, as vítimas empunhavam armas no momento em que os policiais atiraram.
Horas antes, por volta das 15h30, um grupo de policiais do 10º Baep que normalmente atua na região de Piracicaba, no interior paulista, a 260 quilômetros de distância se reuniram no mirante do morro do Maluf, conhecido ponto turístico em Guarujá. Empunhando os fuzis, acompanhados de um cão farejador e mostrando uma bandeira do batalhão, eles posaram com a vista panorâmica para a praia da Enseada ao fundo.
TULIO KRUSE / Folhapress