SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – As medidas assinadas pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) que alteram a tributação de fundos exclusivos e aplicações no exterior trazem maior justiça tributária, mas alguns pontos das duas propostas podem ser questionados no Judiciário, segundo tributaristas e especialistas em direito patrimonial.
Essa não é a primeira tentativa de taxar essas formas de aplicação financeira, que já foram rejeitadas outras vezes pelo Congresso nos últimos dez anos. Um dos principais entraves sempre foi a tributação do estoque de investimentos com Imposto de Renda, algo que está novamente em debate.
Lesliê Mourad, advogada tributarista e sócia do Schuch Advogados, afirma que a medida provisória dos fundos exclusivos faz justiça fiscal ao trazer para essas aplicações, normalmente utilizadas para investimentos de maior vulto, a sistemática de come-cotas já vigente para os demais fundos. A isenção do come-cotas era uma vantagem que poderia representar rendimentos até 40% maiores para os grandes investidores.
“A equiparação da tributação dos fundos exclusivos à dos demais fundos de investimento corrige uma distorção relevante no sistema tributário. A medida pode atingir o objetivo de incrementar a arrecadação, onerando apenas uma parcela pequena, e mais abastada, dos contribuintes”, afirma.
O governo também irá enviar ao Congresso um projeto de lei que altera a forma de tributação dos rendimentos no exterior. Nesse caso, a advogada avalia que o texto também atinge as camadas mais privilegiadas da sociedade, mas possui critério problemático na medida em que tributa a renda antes do efetivo recebimento pelo contribuinte.
“Há, também, nesse caso, espaço para questionamento judicial, pois, em tese, as novas regras afrontam o chamado regime de caixa aplicável à tributação das pessoas físicas”, afirma Dalton Dallazem, especialista em tributação internacional.
Sobre a MP dos fundos exclusivos, ele diz que ela corrige uma diferença de tratamento tributário em relação aos fundos abertos, mas pode gerar contencioso ao tentar taxar os lucros acumulados até 2023.
Erlan Valverde, tributarista e especialista em direito patrimonial, afirma que a tributação de estoque fere de maneira direta o princípio constitucional da irretroatividade da lei tributária, o que causaria aumento imediato da litigiosidade.
Ele lembra que o relator da antiga MP 806/2017 acabou decidindo pela exclusão do dispositivo referente à tributação de estoque, o que acabou resultando na perda de interesse político na medida, que consequentemente acabou não sendo convertida em lei.
“Vale destacar que a tributação de estoque de fundos de investimento consiste em situação similar à tentativa de tributação retroativa de lucros auferidos no exterior pela MP 2.158-35/2001, a qual foi declarada inconstitucional pelo STF”, afirma.
FUNDO EXCLUSIVO CONTINUA ATRATIVO
Érico Pillati, sócio do Cepeda Advogados, afirma que mesmo com a tributação maior, os fundos fechados continuam tendo outros atrativos para pessoas de alta renda.
Segundo ele, essas estruturas também permitem a consolidação e melhor governança do patrimônio financeiro de indivíduos e famílias, além da implementação de uma maior variedade de estratégias de planejamento patrimonial e sucessório, em comparação com as alternativas disponíveis àqueles que mantêm aplicações financeiras diretamente em seu nome.
“Inclusive com a possibilidade de antecipação de cotas a herdeiros, sem que isso implique perda de controle sobre o patrimônio e, a depender do estado em que domiciliado o titular das cotas, com a possibilidade de aproveitamento de tratamentos mais eficientes para fins do ITCMD [Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doação]”, afirma.
FUNDOS IMOBILIÁRIOS E FIAGROS
Embora não sejam alcançados pelas novas regras de tributação periódica, os Fundos de Investimento Imobiliário (FIIs) e os Fundos de Investimento nas Cadeias Produtivas Agroindustriais (Fiagros), também serão afetados pela medida provisória, segundo Diogo Olm Ferreira, tributarista do VBSO Advogados, com potencial aumento da carga tributária.
Segundo o advogado, a MP restringe as hipóteses de isenção dos rendimentos obtidos por pessoas físicas em aplicações nesses fundos. Atualmente, os rendimentos distribuídos por um FII com mais de 50 cotistas e com cotas negociadas em Bolsa têm isenção de imposto de renda da pessoa física. A MP passa a exigir a existência de pelo menos 500 cotistas para que haja aplicação dessa isenção.
“Nesse caso, a mudança não é imediata. Caso a MP seja aprovada sem modificações, as novas regras de tributação passarão a produzir efeitos apenas em 2024.”
EDUARDO CUCOLO / Folhapress