SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O cineasta Silvio Tendler é incansável. Aos 73 anos, um dos mais prolíficos documentaristas brasileiros acaba de lançar mais um filme, “O Futuro É Nosso”, que trata da história do movimento sindical e do desmantelamento das leis trabalhistas no país em anos recentes.
Em paralelo, vinha se dedicando intensamente à peça teatral de sua autoria “Olga e Luiz Carlos: Uma História de Amor”, baseada na correspondência amorosa trocada entre Olga Benário e Luiz Carlos Prestes e que vai virar filme.
Com mais de 80 documentários produzidos ao longo da carreira, segundo seus próprios cálculos, Tendler continua vibrando na sintonia da realidade e da história. Sua capacidade de encontrar personagens e assuntos é inesgotável, assim como sua força criativa.
“Quando fiquei tetraplégico, negociei com Deus. Não me tira nem a palavra nem a razão, pedi. E o resto eu me viro”, diz Tendler, que há mais de uma década convive com uma neuropatia diabética, condição que causa danos aos nervos.
Além de filmar muito, Tendler também sabe aproveitar o momento político. Na trilha da redemocratização ele lançou, em 1980, “Os Anos JK”, sobre o governo Juscelino Kubitschek. Foi um sucesso. Em 1984, em pleno movimento das Diretas Já, entrou em cartaz “Jango”, sobre a trajetória do ex-presidente João Goulart.
“Jango”, em especial, mostrava o que o Brasil havia perdido com a ditadura e qual era o seu custo político. Filas se formaram nas porta dos cinemas de São Paulo à época.
Não por acaso, Tendler dirigiu os três documentários com maior audiência do cinema brasileiro, “O Mundo Mágico dos Trapalhões”, com 1,3 milhão de espectadores, “Jango”, com 1 milhão, e “Os Anos JK”, com 800 mil. Muitas vezes ele é chamado de cineasta dos vencidos, mas a maioria dos seus personagens não foram exatamente derrotados.
“Um amigo meu, embaixador, que era amigo do Glauber Rocha, conseguiu definir meu cinema porque eu mesmo não entendia muito bem o que fazia”, afirma. “O que meus personagens têm em comum é o sonho interrompido, todos foram impedidos de concluir a própria obra ou então morreram cedo.”
Essa ideia vale para Juscelino, João Goulart, Glauber, o jogador de futebol Nilton Santos, Tancredo Neves, Olga Benário, Carlos Marighella, Leonel Brizola, o poeta Castro Alves e até para os Trapalhões, que perderam dois de seus integrantes precocemente.
“Não faço cinema para ensinar, mas para aprender. Só faço filmes sobre personagens que não conheço”, diz Tendler. “E todos os meus personagens valeram a pena, todos são fundamentais, tenho esse orgulho. Quero aprender com as histórias que conto.”
A opção de Tendler pelo documentário tem raízes históricas. Nascido em 1950, ele tinha 14 anos quando os militares deram o golpe. Desde então, percebeu que as primeiras pessoas que conseguiam se manifestar ativamente contra a ditadura eram jornalistas.
Tendler lembra que queria ser como eles, e a opção pelo cinema se deu porque era a arte mais revolucionária na época. Sua escola foi a cinemateca do Museu de Arte Moderna, que passou a frequentar em 1968.
No mesmo ano, fez o que considera seu primeiro documentário. Tendler foi a última pessoa a entrevistar o marinheiro João Cândido Felisberto, o almirante João Cândido, chamado Almirante Negro. A entrevista, porém se perdeu.
O grupo político de Tendler se meteu em encrenca e a mulher que guardava os negativos, com medo, os queimou. Desse filme só resta uma fotografia e as lembranças. No mesmo ano, trabalhou profissionalmente como assistente de Paulo Alberto Monteiro de Barros e de Artur da Tavola.
“Estou nesse caminho e não quero sair mais, acho que o documentário é um cinema muito importante”, diz Tendler.
“Minha formação é toda ligada à história, mas há alguns anos pedi a filiação à Associação Brasileira de Imprensa, porque acho que tem uma ligadura muito concreta entre o cinema histórico e o jornalismo, até pela discussão sobre liberdade de expressão.”
Se há uma linha que Tendler segue é a dos grandes acontecimentos políticos do país. Além de acompanhar a redemocratização em “Os Anos JK” e “Jango”, ele contou a história de Tancredo Neves em “Tancredo, A Travessia”, falou dos advogados que defendiam presos políticos na ditadura e tratou dos militares que disseram não ao autoritarismo.
Para financiar seus filmes, Tendler diz que cada caso é um caso. “De onde vier o dinheiro, será bem-vindo”, diz. “Documentários não têm formulário padrão e o financiamento de filmes também não.”
No caso de “JK”, ele lembra que um amigo produtor de cinema chamado Hélio Ferraz decidiu entrar na empreitada. “Jango” foi feito em um esquema de cooperativa. O filme dos Trapalhões foi bancado por Renato Aragão. “Os três se pagaram em poucas semanas e não tiveram a Embrafilme na jogada”, afirma.
Tendler conta ainda que ganhou dinheiro com filmes sob encomenda, como “Memória do Aço”, sobre o desenvolvimento industrial brasileiro, mas, de um modo geral, a solução financeira para seus projetos vem do que ele chama de “sopa de pedras”. Nos anos de pandemia, ele teve apoio dos sindicatos para fazer “O Futuro É Nosso”, por exemplo.
Seu filme anterior, “A Bolsa ou a Vida”, de 2021, fala do desmonte da sociedade de bem-estar social e reflete sobre a incompatibilidade do neoliberalismo com um projeto social humanista. Foi feito de maneira totalmente remota.
“O Futuro É Nosso não tinha esse nome, comecei a fazer um filme sobre a história do movimento sindical antes da pandemia, mas decidi pôr esse titulo porque também sou um utopista e acredito que a vida vai melhorar”, diz Tendler, que entre outros trabalhos também é curador do Festival de Cinema de Brasília.
Para a realização de “Olga e Luiz Carlos”, valeu a fórmula da sopa de pedras. Tendler obteve recursos para fazer a peça de teatro e, com a peça, conseguiu pôr a adaptação de pé.
Também teve apoio da RioFilme para fazer o roteiro de um longa-metragem. Sua ideia é criar um documentário com várias vertentes, inclusive discutindo a linguagem cinematográfica, a mistura do teatro com o cinema e a própria construção de um documentário. “Eu digo sempre que, se parar cansa, o importante é fazer coisas.”
VICENTE VILARDAGA / Folhapress