Avanço da tecnologia pode agravar desigualdades, afirmam especialistas

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O avanço da tecnologia tem demandado cada vez mais habilidades específicas, excluindo os empregos de baixa qualificação, responsáveis pela renda das camadas mais pobres da população no passado, algo que pode agravar as desigualdades sociais e educacionais.

O seminário Novas dinâmicas globais: o papel da arte, cultura e educação para os desafios no mundo do trabalho, realizado na última segunda-feira (28) pelo jornal Folha de S.Paulo e pela Fundação Itaú, discutiu em sua segunda mesa as habilidades necessárias no novo mercado de trabalho e como a educação pode contribuir para o desenvolvimento integral dos jovens. O debate foi mediado por Patrícia Mota Guedes, superintendente do Itaú Social.

Segundo um estudo divulgado em março pelo banco Goldman Sachs, entre os atuais trabalhadores, 60% estão em profissões que não existiam antes dos processos de automação. O banco norte-americano também estima que a inteligência artificial (IA) pode acabar com 300 milhões de empregos nos próximos 10 anos.

“Há cerca de 20 anos, era muito comum os pobres conseguirem renda por meio desses empregos menos qualificados. Existia uma migração nas décadas de 1980 e 1990, de trabalhadores do Norte e Nordeste para atuarem nos grandes centros em trabalhos braçais, que hoje muitos não existem mais. O perfil da pobreza era diferente”, disse Michael França, coordenador do Núcleo de Estudos Raciais do Insper, doutor em teoria econômica pela USP e colunista da Folha de S.Paulo.

França também ressaltou que os dados da educação mostram um avanço muito lento de turmas de 5º ao 9º ano do ensino fundamental. Também há “hiatos”, lacunas que mostram a desigualdade educacional entre alunos pardos e pretos se comparados aos brancos.

O movimento é visto na educação básica (ensinos fundamental e médio) e nas notas do Enem. “Essas questões devem nos fazer repensar a educação no país, para que aumentemos as notas e possamos diminuir esses hiatos”, disse.

Isabela Machado, 19, integrante da lista de Jovens Transformadores da Ashoka, rede global de empreendedorismo social, defendeu que a educação não se concentre apenas nas salas de aula. Ela lidera um projeto que ensina basquete para jovens em vulnerabilidade social, ao passo em que educa por meio do esporte.

“Nesse projeto, ensinamos habilidades socioemocionais, colaboração além da competição, liderança, trabalho em equipe, comunicação assertiva —ou seja, como falar com um colega de forma não agressiva, pacificadora. São soft skills requisitados no novo mercado de trabalho.”

Kelly Baptista, diretora-executiva da Fundação 1Bi, instituição fundada em 2018 que usa a tecnologia em prol da educação básica, apontou a contradição existente entre as habilidades que o mercado pede e o acesso ao conhecimento das comunidades mais pobres.

“Na periferia, é outra história. Os jovens com os quais eu convivo não têm noção do que é IA, provavelmente nunca usaram o ChatGPT. Trata-se de um Brasil que discute coisas que as crianças das escolas públicas não têm acesso.”

A executiva disse ainda que as falhas na educação básica fazem com que a diversidade no mercado de trabalho não seja ampliada.

O seminário também discutiu o papel da criatividade, da arte e da cultura na educação. “Criatividade é um direito humano. Aprende-se na escola. É ambiência, ecossistema que permite a uma criança viver, experimentar, imaginar e sonhar”, afirmou Cláudia Leitão, professora do mestrado profissional em gestão de negócios turísticos da Universidade Estadual do Ceará.

“Só é possível se tornar criativo com acesso a um amplo cardápio de possibilidades, fruição, consumo, bens e serviços culturais. Não temos esse acesso garantido a todos”, disse a professora da Uece.

Uma portaria do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), publicada no Diário Oficial da União na última semana, instituiu o Programa Manuel Querino de Qualificação Social e Profissional (PMQ).

O programa visa criar “ações de qualificação social e profissional na perspectiva do trabalho decente, a jovens e trabalhadores, de forma a contribuir com a formação geral, o acesso e a permanência no mundo do trabalho”. A portaria afirma que as ações serão direcionadas para alguns setores econômicos, incluindo a “economia da cultura e criativa”, conforme o seu artigo 6.

“Parece interessante, um contraponto ao grande sistema econômico capitalista, neoliberal que aí está e só produz concentração [de renda]. Porém, na Classificação Nacional de Atividades Econômicas (CNAE) ou na Classificação Brasileira de Ocupações (CBO), a criatividade e os setores criativos não aparecem”, afirmou Leitão. “Como podemos ter direito à criatividade? Isso é um grande paradoxo.”

VINÍCIUS BARBOZA / Folhapress

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