BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – As despesas do governo federal vão crescer 1,7% acima da inflação em 2024, primeiro ano de vigência do novo arcabouço fiscal, regra criada pelo governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para substituir o teto de gastos, agora oficialmente revogado.
Ao todo, o governo terá uma expansão de R$ 128,93 bilhões em relação ao limite vigente neste ano. Boa parte do espaço adicional será consumida por despesas obrigatórias, como benefícios previdenciários, assistenciais, os pisos de Saúde e Educação e o novo valor mínimo para investimentos.
Parte desse valor, R$ 32,42 bilhões, está condicionado à aprovação pelos congressistas de um crédito suplementar no ano que vem, para incorporar os ganhos com a aceleração da inflação até o fim de 2023.
Os valores estão detalhados na proposta de Orçamento de 2024, encaminhada pelo governo ao Congresso Nacional nesta quinta-feira (31). O documento foi disponibilizado pela CMO (Comissão Mista de Orçamento).
O novo arcabouço fiscal permite o crescimento das despesas acima da inflação, desde que respeitado o intervalo de 0,6% a 2,5%. A definição do percentual exato depende da arrecadação: a fórmula prevê que ele seja equivalente a 70% da alta real das receitas nos 12 meses acumulados até junho do ano anterior (neste caso, 2023).
O governo observou uma expansão de 2,43% nas receitas no período, já descontada a inflação. Por isso, pela regra, a ampliação real possível das despesas é de até 1,7%.
No entanto, o arcabouço contém uma brecha para que esse percentual fique maior no primeiro ano. O Executivo poderá, em maio de 2024, incorporar um valor adicional, caso a estimativa para a arrecadação no ano que vem indique um desempenho melhor do que esse avanço de 2,43% já detectado.
Na prática, o dispositivo deixa a porta aberta para o governo alcançar a expansão de 2,5%, almejada desde o início pela equipe econômica.
A expansão é considerada necessária para acomodar uma série de despesas que serão retomadas, incluindo os pisos de Saúde e Educação, que voltam a ter vinculação com a dinâmica da arrecadação.
As regras constitucionais, que voltarão a valer com a sanção do arcabouço, destinam 15% da RCL (receita corrente líquida) para a Saúde e 18% da RLI (receita líquida de impostos) para a Educação. A conta resulta em um mínimo maior do que o que vinha sendo aplicado sob o teto de gastos daí a necessidade de mais espaço para acomodar as despesas.
A correção do limite de despesas é calculada sobre uma base já expandida pela PEC (proposta de emenda à Constituição) aprovada na transição de governo e que autorizou um gasto adicional de até R$ 168 bilhões neste ano.
**RECEITAS EXTRAS E DÉFICIT ZERO**
Como mostrou a Folha, o governo também incluiu R$ 168 bilhões em medidas para elevar a arrecadação e, assim, conseguir entregar o Orçamento dentro da meta fiscal de zerar o déficit em 2024. As medidas ainda precisam da aprovação do Congresso ou implementação pelo Executivo.
O grau de incerteza que cerca essas fontes de arrecadação tem alimentado a pressão dentro do próprio governo para rediscutir a meta fiscal até o fim deste ano.
O Ministério da Fazenda, porém, vê o movimento como “fogo amigo”.
A pasta avalia que o reequilíbrio das contas é fundamental para estabilizar a trajetória da dívida pública. Por isso, a meta de zerar o déficit não é um “cavalo de batalha”, diz um integrante da equipe econômica, mas sim um alvo a ser perseguido e com o qual se busca convencer o Legislativo da necessidade de aprovar as medidas.
O ministro Fernando Haddad (Fazenda) admitiu mais cedo, nesta quinta-feira (31), que o cenário fiscal para 2024 é desafiador, mas afirmou que o governo está comprometido em avançar nas medidas necessárias para reequilibrar as contas do país.
“Não estamos negando o desafio, não estamos negando a dificuldade. O que estamos afirmando é o nosso compromisso, o compromisso da área econômica em obter o melhor resultado possível”, disse em entrevista coletiva.
As iniciativas para elevar a arrecadação estão divididas em três pilares.
O primeiro é o de recomposição da base fiscal e correção de distorções, com duas ações. Uma é o projeto de lei que muda as regras de julgamentos de conflitos tributários no Carf (Conselho Administrativo de Recursos Fiscais). A expectativa do governo é arrecadar R$ 54,7 bilhões, valor que estará na proposta de Orçamento de 2024.
A outra ação é a MP (medida provisória) que vai regulamentar a decisão do STJ (Superior Tribunal de Justiça) sobre a tributação de benefícios fiscais do ICMS.
A equipe econômica espera obter R$ 35,3 bilhões, o que inclui apenas o fluxo futuro de receitas, sem contabilizar a solução para o estoque do que não foi pago devidamente pelas companhias em anos anteriores.
O segundo pilar trata de isonomia tributária e enfrentamento a abusos. Nesse grupo de medidas estão a MP para taxar fundos exclusivos de investimento no Brasil e o projeto de lei, com urgência constitucional, para tributar os fundos e recursos offshore (mantidos em paraísos fiscais fora do país).
Os dois atos foram editados por Lula na segunda-feira (28). A expectativa é arrecadar R$ 13,3 bilhões com fundos exclusivos e R$ 7,05 bilhões com offshores no ano que vem.
O governo, porém, admite que o valor final das receitas com fundos exclusivos pode ficar menor em meio às negociações com o Congresso.
Uma terceira medida do eixo de isonomia tributária é o fim do JCP (Juros sobre Capital Próprio), uma forma alternativa de uma empresa remunerar seus acionistas recolhendo menos tributos. A avaliação do governo é de que o uso do mecanismo foi desvirtuado, o que justifica sua extinção.
O governo prevê no Orçamento obter R$ 10,5 bilhões com o fim do JCP. Essa fonte de arrecadação, no entanto, é uma das mais incertas dentro do pacote, já que o debate é considerado pouco maduro pela equipe econômica.
O terceiro eixo é uma demanda das próprias empresas e consiste no que o governo tem chamado de uma melhora no relacionamento com a administração tributária federal.
O governo vai colocar em prática novas modalidades de transação tributária uma espécie de renegociação de dívidas de contribuintes sob condições mais atrativas, com possibilidade de descontos ainda não exploradas pelo Executivo.
Uma delas será executada pela PGFN (Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional) e vai oferecer negociação para contribuintes resolverem disputas envolvendo grandes teses do Judiciário. O governo prevê arrecadar R$ 12,1 bilhões com essa iniciativa.
O governo também vai explorar o instrumento da transação tributária no âmbito da Receita Federal. A proposta de Orçamento vai incluir cerca de R$ 31 bilhões com essas negociações .
O Orçamento também prevê receitas com outras medidas, como a regulamentação de apostas esportivas. Uma MP e um projeto de lei já foram enviados ao Congresso Nacional. A expectativa é arrecadar R$ 728 milhões com a tributação das apostas e outros R$ 918,7 milhões com taxas ligadas à atividade.
O governo prevê ainda arrecadar R$ 2,86 bilhões com o aumento de fiscalização das compras de mercadorias internacionais por meio do Remessa Conforme.
O programa prevê isenção do imposto de importação para compras de até US$ 50 para as empresas que possuem certificação. Para remessas acima desse valor (incluindo frete e outros encargos), é cobrada uma alíquota de 60%.
Em abril, antes da implementação do programa nos moldes finais, Haddad disse que estimava arrecadar até R$ 8 bilhões com a tributação de plataformas de varejo internacionais que driblavam as regras da Receita Federal. O valor incluído no Orçamento é mais conservador do que essa previsão.
Apesar da meta fiscal de déficit zero, o resultado primário previsto, em números absolutos, é um superávit de R$ 2,84 bilhões nas contas do governo central, que compreende o Tesouro Nacional, o Banco Central e a Previdência Social. Essa cifra atende à meta fiscal, uma vez que o valor corresponde a 0% do PIB (Produto Interno Bruto).
Quanto às despesas obrigatórias com controle de fluxo, o PLOA não prevê reajuste em 2024 para o Bolsa Família, principal vitrine social do governo Lula.
No documento, foram reservados R$ 169,47 bilhões para o programa de transferência de renda. Como antecipou a Folha, o valor é próximo dos R$ 168,7 bilhões disponíveis neste ano.
Uma eventual elevação do montante destinado para o Bolsa Família no próximo ano vai depender da revisão do Cadastro Único e da atualização da base de dados do programa. Esses processos ainda estão sendo conduzidos pelo governo.
Os gastos com ações e programas obrigatórios na área da saúde e educação totalizam R$ 153,45 bilhões e R$ 8,36 bilhões, respectivamente. Já as despesas obrigatórias com benefícios aos servidores somam R$ 17,47 bilhões. Ao todo, são R$ 358,13 bilhões nessa categoria.
IDIANA TOMAZELLI E NATHALIA GARCIA / Folhapress