MACAPÁ, AP (FOLHAPRESS) – O piloto Josilei Gonçalves de Freitas, 51, e a equipe dele voavam pela floresta amazônica quando caíram de helicóptero de uma altura de 40 metros após uma pane na aeronave, no Amapá. A experiência de 25 anos de carreira, conta ele, foi fundamental para uma manobra de pouso emergencial de sucesso e a sobrevivência na mata hostil por três dias.
A tripulação era composta pelo mecânico Gabriel Assis Serra, colega na mesma empresa de transporte aéreo, e o engenheiro civil José Francisco Pereira Vieira, da Funai (Fundação Nacional dos Povos Indígenas).
A serviços do Dsei (Distrito Sanitário Especial Indígena) e da Funai, o grupo percorria aldeias no Parque Nacional Montanhas do Tumucumaque, ao norte do Pará e Amapá, que é lar das etnias como wajãpi, apalay, wayana, tiriyós e katxuyana, além de biodiversidades em fauna e flora, importantes para o ecossistema.
Em relato à Folha de S.Paulo, o piloto, que é tenente-coronel da reserva da PM, detalhou as ações e os sentimentos causados diante do acidente e da luta pela sobrevivência na floresta.
Chegamos na segunda-feira (14 de agosto) à aldeia de Bona, região do parque do Tumucumaque, no Pará. O objetivo era mapear as pistas de pouso, para estudos e homologação, e assim facilitar e melhorar a segurança dos pousos das aeronaves, que levam ações de saúde.
Na madrugada do outro dia, tive a primeira missão: transportei uma indígena com um bebê que estava com pneumonia. Na quarta (16), último dia da missão, transportei um cacique que passou mal à noite.
Cumprimos todas as missões. Então, decolamos de Bona na quarta, ao meio-dia, com destino a Macapá. Éramos eu, o mecânico Gabriel e o engenheiro civil José Francisco.
A QUEDA
O voo tinha tudo para ser tranquilo. O clima estava favorável. A viagem tinha previsão de duração de duas horas e 20 minutos. Mas, depois uma hora e 40 de voo, quando estávamos sobre Pedra Branca do Amapari (AP), o helicóptero teve uma pane, perdeu altura e caiu a rotação do rotor principal, que é a asa da aeronave.
Comecei a procurar um lugar seguro para pousar. Não conseguia mais ir para direita nem para esquerda. Estávamos a 3.000 pés de altura, mas a aeronave começou a descer. Tentei sustentar o helicóptero o máximo que pude, mas quando não foi mais possível, eu foquei na nossa integridade física.
Segui em direção ao rio, por ser uma porta de saída. Mirei em duas árvores, com cerca de 40 metros de altura cada uma, e joguei o helicóptero pra cima delas, como uma técnica de amortecer a queda.
Caímos do equivalente a um prédio de dez andares. Até o chão durou sete minutos. E deu tudo certo. Não tivemos um forte impacto.
Durante todo o tempo, eu procurei deixar os passageiros tranquilos e passar segurança para eles. Todas as manobras que fiz foram informadas previamente. Anunciei a pane e disse que ia fazer uma aterrissagem de emergência. Eles se mantiveram calmos.
A SOBREVIVÊNCIA
Após essa primeira fase, seguimos para uma outra: a nossa sobrevivência na selva até o resgate. Como estávamos voltando de uma missão, tínhamos a bordo uma encomenda de peixes e carnes e equipamentos de sobrevivência, como lanternas, barracas, colchão inflável e remédios, além de energia elétrica da bateria.
Minha função era manter todos em modo operacional, com inteligência emocional. Assim evitar frustrações, desânimo e medos.
Dormíamos apenas três horas por dia, com a fogueira sempre acesa. Tomávamos banho e bebíamos água no rio, observando se tinham lambaris, pois a presença desses peixes apontavam se havia ou não cobras e jacarés por perto.
No primeiro dia na floresta, enviei uma sonda no rio com nossas coordenadas, mas não tive respostas. Na sexta (18), Gabriel desceu o rio em um colchão inflável em busca de socorro, orientado sobre o que deveria fazer. Ele não poderia sair das margens.
O colchão furou e ele seguiu em uma jangada. Era nossa esperança de encontrar civilização. Em 30 horas, Gabriel desceu, aproximadamente, 12 quilômetros.
Eu e Francisco ficamos no acampamento. Tentei a comunicação pelo rádio antes de acabar a bateria. No sábado (19), nós observamos que havia uma aeronave sobrevoando a gente. Tentei contato com os tripulantes e eles me ouviram.
O avião era do Grupamento Aéreo de Segurança Pública do Pará, que eu mesmo comprei quando era diretor na corporação.
Através do sinal, informei que nós faríamos sinal de fumaça para facilitar a localização. Quando o helicóptero chegou, eu e Francisco fomos resgatados por guincho.
Em seguida, descemos o rio, beirando às margens, em busca do Gabriel, até que encontramos ele em uma pedra e o resgatamos. Partimos para Macapá. Ficamos internados por 48 horas.
Sou piloto há 25 anos, com quase 10 mil horas de voos e muita experiência na Amazônia, e nunca tinha sofrido um acidente como esse.
Mas sempre estive preparado para agir da melhor forma. A emergência pode ocorrer a qualquer momento. Apliquei, na mata, tudo aquilo que aprendi na carreira.
A RECUPERAÇÃO
A minha maior angústia era saber que estávamos bem, na floresta, mas não tínhamos comunicação com a família e amigos.
Sou casado e tenho três, o Gabriel, 19, Sarah, 22, e o Samuel, 24, que foi de Brasília, onde moro com eles, até Macapá, para acompanhar o resgate e a recuperação.
O emocional da gente ainda está muito abalado por causa disso. Agora, estou catando os cacos. Vou iniciar o tratamento com psicólogos.
Essa experiência eu registrei em um diário, fotos e vídeos, para isso ficar guardado, pois eu poderia ter morrido, caso o resgate demorasse mais dias. Os registros mostrariam para a minha família que eu fiz o melhor para manter todos a salvo.
Em breve, pretendo voltar a voar porque é isso que eu sei fazer de melhor. Meu sonho de criança era ser piloto. É minha profissão e a família respeita isso. A situação não me abalou ao ponto de pensar em deixar de voar. Aguardo a investigação para saber o que de fato ocorreu e, assim, aprender ainda mais sobre isso tudo.
JORGE ABREU / Folhapress