Cisternas provocam impacto na saúde de recém-nascidos do semiárido, aponta estudo da FGV

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Uma pesquisa da Escola de Economia da FGV (Fundação Getulio Vargas) apontou que gestantes atendidas pelo Programa Cisternas, do governo federal, deram à luz a crianças mais saudáveis, em comparação com aquelas que não tiveram acesso ao benefício durante o período da gravidez, indicando que a política pública afetou diretamente na saúde infantil na região do semiárido brasileiro.

Os dados da pesquisa “Políticas de Adaptação Climática e Saúde Infantil” apontam que a cada semana que a gestante contou com a água vinda pelo Programa Cisternas, o bebê ganhou dois gramas de peso, o que resultou em aproximadamente 80 gramas ao final da gestação.

Foram analisados dados de 5.000 gestantes que tiveram acesso às cisternas durante o período de 2011 a 2017. Segundo a pesquisa, o programa implantou cerca de 400 mil equipamentos no período.

Os pesquisadores cruzaram informações colhidas com os dados disponibilizados no Sinasc (Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos), do Ministério da Saúde, para poder chegar aos indicadores.

“Com esses dados, a gente tem a identificação de todo o mundo que recebeu a cisterna. Sabe o dia que começou a construção e o do término, que dura três dias. E o dado diz exatamente as semanas de gestação”, diz o professor e pesquisador Daniel da Mata, coordenador da pesquisa.

As gestantes não são especificamente o público-alvo do Programa de Cisternas, mas elas fazem parte do conjunto. Ele é voltado para famílias rurais de baixa renda, com prioridade para povos e comunidades tradicionais.

De acordo com o estudo, um dos pontos para o benefício da gestante é o fato de, além de contar com água tratada durante o período de gestação, tendo a cisterna em casa, ela também não precisar caminhar longos trajetos em busca de água de poços e açudes. Há relatos de famílias que chegavam a caminhar 15 km em busca de água no semiárido.

“Diversos estudos na literatura acadêmica reforçam que o esforço físico extremo aumenta os riscos neonatais. Por isso, esse programa, ao evitar que a mulher precise buscar água diariamente em locais distantes e sob altas temperaturas, acaba por promover a saúde do recém-nascido”, explica o pesquisador.

Segundo o obstetra Francisco Ramos Filho, da Associação de Ginecologistas e Obstetras de Minas Gerais, tão importante quanto o ganho de peso do bebê é a diminuição do esforço físico da gestante.

“O esforço físico, se associado a outras comorbidades na mulher, aumenta o risco de parto pré-termo [prematuro], e a prematuridade é a principal causa de mortalidade neonatal [primeiros 28 dias de vida da criança]”, diz o médico.

“A facilidade de acesso tem impacto direto para diminuição dos riscos maternos e, consequentemente, a diminuição de riscos de parto pré-termo. E também, em decorrência disso, maior peso ao nascimento.”

Criado em 2003, o Programa Cisternas era voltado para famílias de baixa renda atingidas pela seca ou falta de água recorrente, tendo a região do semiárido como prioritária.

O programa tem três modelos. Um é o primeira água –foco principal da pesquisa da FGV–, que consegue captar água da chuva para o consumo doméstico durante o período de estiagem. Outro é o segunda água, uma cisterna maior para acumular água para uso nas atividades agropecuárias. O terceiro é o cisterna nas escolas, para que as crianças tenham água durante o período de seca.

De acordo com Camile Marques Sahb, diretora de Promoção da Inclusão Produtiva Rural e Acesso à Água, do Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome, o programa de distribuição de cisternas afeta diretamente na diminuição da taxa de mortalidade infantil e da taxa de doenças causadas por falta de tratamento da água.

“As famílias passam a beber uma água de melhor qualidade, e há uma melhoria da qualidade de vida das famílias, que passam a ter água por quase o ano inteiro”, diz.

O município de Iguatu, no interior do Ceará, é um dos favorecidos com o Programa Cisternas. Até o final de 2022, a cidade havia recebido 2.639 equipamentos no modelo primeira água. Segundo dados do último Censo do IBGE, a taxa de mortalidade infantil no município é de 10,45 óbitos por mil nascidos vivos.

“Uma água tratada, uma água potável para o consumo das famílias, é sempre bom. Isso facilita mais a vida delas e também das crianças”, diz Francisca Maciel da Silva, uma das coordenadoras da Pastoral da Criança de Iguatu, entidade que atende crianças de zero a seis anos e gestantes.

Segundo Da Mata, os bons resultados apontados na pesquisa só foram possíveis com a junção de outras políticas públicas.

“Os dados que encontramos evidenciam também como programas de infraestrutura hídrica podem ser complementares a outras políticas públicas, como as de transferência de renda, ou aquelas voltadas para melhorar o acesso à escolaridade.”

“Não é somente a construção da cisterna, mas também um treinamento para garantir a qualidade da água. É muito fácil contaminar a água da cisterna, uma vez que tem que fazer a limpeza de canaletas, a limpeza interna da água, se não ela contamina. Quanto maior a escolaridade dessas mulheres, mais chance existe da família aderir ao treinamento para tratamento da água”, explica o pesquisador.

A levantamento da FGV abrange até o ano de 2017. No auge, o programa chegou a construir 200 mil cisternas por ano, mas, na gestão Bolsonaro, foi deixado de lado, tendo somente 3.600 atendimentos em 2022.

A iniciativa está sendo retomada pelo governo federal neste ano. O ministério finalizou a chamada pública para a contratação de 60 mil cisternas e a previsão é que até 7.000 sejam instaladas até dezembro.

EMERSON VICENTE / Folhapress

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