VENEZA, ITÁLIA (FOLHAPRESS) – No cinema recente, Elvis definitivamente não morreu. Um ano depois da cinebiografia “Elvis”, de Baz Luhrmann, é a vez de Sofia Coppola levar o Rei do Rock às telas, em “Priscilla”, seu novo longa, exibido em competição nesta segunda (4) no Festival de Veneza.
Mas como o próprio nome do filme indica, o foco não é ele, mas Priscilla Presley, com quem o cantor foi casado entre 1967 e 1973. E, embora muita gente tenha pensado que seria uma “resposta” ao filme de Luhrmann, mas na visão de uma mulher, na verdade é uma obra completamente distinta e não relacionada com a que a antecedeu.
Cailee Spaeny interpreta a protagonista, que morava no fim dos anos 1950 com os pais perto de uma base do Exército dos EUA na Alemanha Ocidental, no mesmo período em que um já famoso Elvis, vivido por Jacob Elordi, prestava serviço militar no país. Ele tinha 24 anos, ela apenas 14, mas assim que viu a garota pela primeira vez, em uma festa, apaixonou-se e vice-versa. Elvis solicitou permissão ao pai de Priscilla para primeiro namorá-la, e, alguns anos mais tarde, pediu ao futuro sogro para levá-la para morar com ele em Graceland. Até que, quando ela tinha 21, finalmente se casaram.
O filme mostra Elvis como um homem extremamente apaixonado, meigo e respeitoso com Priscilla nos primeiros tempos juntos. Inclusive, a dupla não manteve relações sexuais por muitos anos, isso por decisão da parte dele ela, ao contrário, várias vezes tentou consumar o ato com o namorado, que preferia esperar o que chamava de “momento certo”.
Com o passar do tempo, no entanto, Elvis ficou cada vez mais dependente de remédios para dormir e para acordar, o que fazia com que apresentasse instantes de cólera repentina, por vezes chegando a gritar e arremessar objetos em Priscilla.
Era também um bocado mandão gostava de escolher as roupas que a namorada deveria vestir, e foi ele quem a mandou tingir os cabelos, naturalmente castanhos, de preto, no começo dos anos 1960. Passava temporadas enormes fora de casa, sobretudo quando estava participando de produções de Hollywood. Durante as filmagens de seu melhor longa, “Amor a Toda Velocidade”, de 1964, por exemplo, tornou-se público que ele teve um romance com a atriz Ann-Margret, o que deixou Priscilla enfurecida. O constante assédio de algumas fãs mais atiradas também era um grande complicador para esse relacionamento.
A relação entre eles durou até o começo dos anos 1970, quando uma Priscilla mais segura de si decidiu abandonar o cada vez mais decadente Elvis e resolveu seguir a vida sozinha, recomeçando praticamente do zero com a filha, Lisa Marie.
Sofia Coppola dirige o filme com uma cadência suave, pouco apressada, que por vezes parece quase indolente. O que esteticamente é justificável, porque os dois protagonistas também o são: a vida deles tem quase nenhuma emoção ou vitalidade a não ser por eventuais festinhas, a rotina do casal não tinha muita coisa que não fosse ver televisão e ficar na cama.
Diferentemente de grande parte das cinebiografias atuais, em que os atores são submetidos a horas e mais horas de maquiagem para ficarem fisicamente idênticos aos biografados ”Maestro”, sobre Leonard Bernstein, que Bradley Cooper apresentou no Lido no fim de semana é um exemplo extremo disso, em “Priscilla”, essa é uma preocupação quase inexistente. Tanto Cailee Spaeny quanto Jacob Elordi não têm quase nada de Priscilla e Elvis Presley, e aparecem no filme com o rosto que têm. Coppola parece mais interessada que os personagens se materializem em seu filme com base na performance dos atores, mesmo.
Ou talvez ela não tenha ficado muito feliz com a caracterização de Spaeny e Elordi, porque o que mais explicaria uma direção de fotografia tão escura, a ponto de raramente ser possível observar com nitidez a face dos atores principais? Quem não conhece o rosto dos intérpretes pode chegar ao fim do filme sem conseguir sequer ter memorizado seus traços. A não ser que o projetor da sala Darsena tenha apresentado problemas na sessão para a imprensa, é difícil pensar em outro motivo para um filme com tão pouca iluminação.
Nas cenas em que vive a Priscilla ainda adolescente, Spaeny está encantadora, com seu charme mignon e juvenil. Mas, à medida que os anos vão passando, a atriz vai perdendo um pouco o rumo da personagem, e sua Priscilla se torna um bocado ausente, por vezes inexpressiva. Já escalar Elordi como Elvis era um erro de casting anunciado, e embora ele até consiga manter as rédeas do personagem, sua atuação é um bocado monocórdica.
O filme em si não é ruim aliás, tem uma narrativa bastante agradável, fácil de acompanhar. E o fato de Coppola não cair na moda corrente de simplificar os dramas de Priscilla como sendo meramente culpa de um relacionamento tóxico com um “macho, branco, hétero” já é algo mais do que louvável. Elvis era, sim, manipulador, mas era uma pessoa muito mais problemática e digna de pena do que sua parceira. E ela, segundo o filme, se foi infeliz durante seu casamento, foi sobretudo pela sua imaturidade e juventude extremas. Foi só depois de se divorciar que Priscilla se tornaria uma pessoa adulta o que Elvis, infelizmente, jamais conseguiu se tornar.
BRUNO GHETTI / Folhapress