BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – O Ministério da Defesa publicou uma norma, no fim de fevereiro, que estabelece prazo de apenas 180 dias para armazenar os registros de quem entra no edifício da pasta. Depois desse período, a lista de acesso à sede e ao anexo do ministério é encaminhada para ser apagada em até dois anos.
A Defesa citou essa regra ao afirmar que não tem registro de acesso na pasta do programador Walter Delgatti Neto, conhecido como o hacker da Vaza Jato. A resposta do ministério ocorreu após questionamento baseado na Lei de Acesso à Informação, feito pela Folha de S.Paulo.
O hacker esteve no ministério em 10 de agosto de 2022, por ordem do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), para participar de reunião sobre as urnas eletrônicas com técnicos das Forças Armadas.
A Defesa, porém, nem sequer pesquisou os registros dos dias em que Delgatti foi à pasta, sob justificativa de que está fora do prazo em que os dados ficam armazenados.
“Os registros de acesso e dados cadastrados permanecerão armazenados no banco de dados do sistema de controle de acesso de pessoas pelo período de 180 (cento e oitenta) dias a contar de seu cadastramento, portanto o período pesquisado refere-se às informações armazenadas entre os dias 12 de fevereiro de 2023 a 10 de agosto de 2023, corresponde ao período de 180 (cento e oitenta) dias, a contar da data do cadastro do presente Pedido de Informação”, respondeu a Defesa ao pedido da Folha de S.Paulo.
Os registros de reuniões do hacker com o entorno de Bolsonaro estão na mira da CPI do 8 de janeiro. A Defesa e a Presidência da República disseram para a comissão que não têm as imagens de Delgatti nas reuniões com Bolsonaro e militares.
A Defesa afirmou armazenar as imagens das câmeras de segurança por até 30 dias.
“Tendo em vista a quantidade de imagens e a qualidade das imagens, que atualmente estão consumindo maior espaço de armazenamento, exigindo que o sistema seja reiniciado a cada 15 ou 20 dias”, afirmou a pasta comandada pelo ministro José Mucio Monteiro.
A Presidência alegou à CPI que o sistema de videomonitoramento do Palácio da Alvorada também tem capacidade limitada de armazenamento de dados. “As imagens do sistema permanecem disponíveis em média de doze a catorze dias, sendo, depois desse período, sobrescritas por novas imagens geradas pelas câmeras”, disse.
Delgatti declarou à CPI que participou, em agosto de 2022, de reuniões com integrantes da campanha eleitoral de Bolsonaro. No dia 10 daquele mês, ele se encontrou com o então presidente.
O hacker afirmou à comissão que esteve cinco vezes no Ministério da Defesa e que chegou a se reunir com o ex-ministro da pasta Paulo Sérgio Nogueira.
O ex-presidente Bolsonaro confirmou que se encontrou com Delgatti e encaminhou o hacker ao Ministério da Defesa, mas negou que tenha feito algum pedido.
“Teve a reunião e eu mandei ele para o Ministério da Defesa para conversar com os técnicos. Ele esteve lá [no Alvorada e na Defesa] e morreu o assunto. Ele está voando completamente”, afirmou Bolsonaro à rádio Jovem Pan em 17 de agosto, mesma data em que o hacker prestou depoimento à CPI.
Militares que participaram das discussões sobre as urnas confirmaram que Delgatti esteve na Defesa em uma única data. Eles disseram que o programador não participou da confecção do relatório final da fiscalização sobre o sistema eleitoral.
O hacker está preso sob suspeita de invadir o sistema do CNJ (Conselho Nacional de Justiça) e de uma trama para atingir o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal.
Em 24 de fevereiro, a pasta da Defesa chegou a liberar para a Folha de S.Paulo, após questionamento baseado na Lei de Acesso à Informação, a lista de pessoas que entraram na pasta de 2021 a 2023. Esse documento não mostra registro de acesso de Delgatti.
A lista foi compartilhada pelo ministério quatro dias antes de a Defesa publicar a instrução que criou o prazo de 180 dias para armazenar as informações. Segundo o mesmo texto, após esse período, as listas de quem esteve na pasta serão enviadas ao protocolo-geral e arquivo “para fim de tratamento e demais medidas afetas à eliminação documental no prazo de até dois anos”.
Apesar da regra, é comum que ministérios divulguem as listas de quem esteve nos seus prédios. A CGU (Controladoria-Geral da União) orientava a liberação dessas informações mesmo no governo Bolsonaro.
Em parecer de maio de 2022, a Controladoria disse que os registros de entrada “têm papel relevante no controle social, pois os dados correspondentes podem, potencialmente, indicar os contatos e as agendas cumpridas pelas autoridades públicas, bem como prevenir eventual conflito de interesses”.
MATEUS VARGAS / Folhapress