Bar na zona sul vira refúgio para torcedores do Botafogo em São Paulo

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O botafoguense Ramiro Júnior, 29, é um homem supersticioso. Nos quatro jogos que viu no Bar Salvador, em Moema, na zona sul de São Paulo, seguiu o mesmo protocolo.

Durante a partida, pede um espetinho de coração de galinha e um refrigerante. “Tem dado certo, e não vou mudar. A cervejinha eu deixo para depois”, disse, na noite de sábado (2), no intervalo de Botafogo x Flamengo, pelo Campeonato Brasileiro.

Ramiro não está sozinho. Com ele, cerca de 600 botafoguenses frequentam o bar que virou a cara dos torcedores do clube carioca, líder com folga da competição nacional. Fazem parte da SampaFogo, que adotou o bar na capital paulista como casa.

O grupo foi organizado por Carlos Dias, 39, que mora em Santo André, na região metropolitana de São Paulo. Carlos nasceu em berço corintiano, mas escolheu o alvinegro carioca aos cinco anos depois de ver imagem do Pato Donald com a camisa da equipe em um álbum de figurinhas.

As pessoas que chegam ao bar para ver o Botafogo fazem questão de cumprimentá-lo. No sábado (2), um mineiro de Pouso Alegre (400 km de Belo Horizonte) chegou e apertou a mão do fundador: “Então, você é o chefe?”. Carlos acenou com a cabeça, esboçou um sorriso e mudou de assunto.

Diferentes gerações alvinegras transitam nos dois andares do bar. Uns viram ao vivo o Botafogo de Jairzinho, nas décadas de 1960 e 1970. Outros, ainda torcedores de colo, nem conseguem entender o que Tiquinho Soares e Segovinha fazem em campo.

Os dois pisos do Salvador, fundado em 2007, são bem diferentes. As paredes do primeiro andar são vermelhas, e o ambiente é dividido em três cômodos. Um lembra uma garagem, outro, uma varanda, e o terceiro é como uma sala de estar, o melhor lugar do bar para quem prefere ficar sentado.

No dia 29 de julho, o segundo andar foi reinaugurado para celebrar a boa fase do Botafogo no Brasileiro. A SampaFogo coloriu o lugar de preto e branco e distribuiu charges, fotos e escudos do clube pelo espaço, inclusive na comanda.

Faz calor na parte de cima do bar. Quem chega agasalhado –mesmo em um dia chuvoso– leva menos de cinco minutos para se desfazer de jaquetas, moletons e paletós. Ali, não se busca o conforto dos teatros, mas o ânimo e a cantoria típica dos estádios brasileiros.

Toda a mudança foi autorizada pelo dono do bar, Vicente Itri, 70. “Realmente, virou a leste superior e a leste inferior”, afirmou, brincando com os nomes de setores do estádio do clube, o Engenhão.

Seu Vicente transita pelos dois andares a noite toda e puxa assunto com os clientes. “Eu me lembro de cada pessoa pelo time. Pelo nome, as vezes é meio complicado, meu”, disse.

Segundo ele, a reformulação aumentou o faturamento do bar. O local estava cheio no sábado, para o clássico contra o Flamengo, realizado no Engenhão, no Rio de Janeiro.

Na “leste superior”, o advogado Felipe Lisboa, 32, puxou gritos exaltando a tradição do clube e xingou torcedores adversários que apareciam na televisão antes de a partida começar. Durante o jogo, a referência mais carinhosa ao rival foi “o inominável”.

O problema para Felipe, além do que se veria em campo, era o atraso de quatro segundos na transmissão da TV do andar de cima em relação à do aparelho ligado na parte de baixo.

A presença de pessoas negras no bar é limitada. Há mulheres e homens negros trabalhando, e outros se divertem no local. Por meio da heteroidentificação, foi possível ver oito pessoas negras com camisas do Botafogo.

Independentemente disso, todos compartilhavam as próprias leituras táticas. Começar com JP e Segovinha no lado direito era o tema principal. “Por que o Bruno Lage fez isso?”

Durante a execução do hino nacional, a torcida do Botafogo cantava: “Ai, ai, ai, ai,, ai, está chegando a hora, o dia já vem raiando, meu bem, Tiquinho Soares é…”. É uma das manias do momento glorioso que vive o Botafogo.

O gol contra feito pelo volante Marlon Freitas no primeiro minuto de jogo, porém, freou o ânimo.

Foi questão de tempo para as leituras táticas darem espaço a versos de poucas sílabas, como “toca”, “tira”, “calma”. Torcedores latiam a cada bola recuperada pelos atletas do Botafogo –em referência ao cachorro, mascote do clube.

Até que, do andar de baixo, surgiu o “goooooool!”, repetido pouco depois pelo andar de cima. Era o empate, aos 19 minutos de partida.

O resultado, porém, seria negativo. A preocupação com o lado direito se justificou no segundo tempo, e foi por ali que Bruno Henrique construiu o belo gol da vitória do Flamengo. A chuva apertou, e os gritos ficaram mais raros. Os protestos começaram. Sobrou para o árbitro Raphael Claus, para a CBF (Confederação Brasileira de Futebol), para a Globo, para a mídia, para Bruno Lage e, claro, para Bruno Henrique.

Não houve nenhuma confusão depois do jogo. “Frequento o bar porque aqui é um ambiente democrático para as torcidas”, disse Thomás Camargo, 37, corintiano.

Apesar da derrota, o Botafogo sustenta vantagem ainda bem confortável na tabela, dez pontos à frente do vice-líder Palmeiras. Mantido o ritmo, é real a possibilidade de o título ser obtido antecipadamente.

Ramiro, que viu o ritual dos espetinhos de coração falhar, mantém a confiança. Ele acharia lindo se o jogo do título fosse na 35ª rodada, contra o Santos. O adversário é o mesmo batido pelo Glorioso na final de 1995, em seu último título brasileiro.

GUSTAVO LUIZ / Folhapress

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