BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – O Brasil vai oferecer três tipos de títulos soberanos sustentáveis aos investidores internacionais, que poderão adquiri-los sob o compromisso de destinação dos recursos para ações ambientais, sociais ou combinadas entre as áreas.
A definição consta no chamado “Arcabouço Brasileiro para Títulos Soberanos Sustentáveis”, documento divulgado nesta terça-feira (5) pelo Tesouro Nacional e que significa mais um passo na direção da primeira emissão sustentável a ser realizada pelo país no mercado externo.
O governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) prevê fazer a primeira captação ainda neste ano, embora não seja possível precisar a data com antecedência, por causa de regras de mercado.
Para inaugurar a presença brasileira neste mercado, o secretário do Tesouro Nacional, Rogério Ceron, afirma que o governo vai fazer uma emissão inicial de títulos sustentáveis (sustainability bonds, em inglês), denominação mais abrangente entre os três tipos.
Além do simbolismo e da maior flexibilidade na aplicação dos recursos, o uso desse instrumento facilita a criação de uma referência de taxa de juros para emissões sustentáveis de empresas brasileiras no exterior.
No futuro, porém, o governo pode lançar mão das outras duas categorias, com títulos verdes (green bonds) ou títulos sociais (social bonds), usados exclusivamente para financiar ações com impacto positivo nas respectivas áreas.
O governo brasileiro costuma fazer ao menos uma emissão internacional por ano. A mais recente foi realizada em 5 de abril deste ano, quando o governo Lula captou US$ 2,25 bilhões, em um leilão de demanda elevada e juros mais altos, acompanhando o resto do mundo.
Em um leilão de títulos com a marca da sustentabilidade, as taxas cobradas pelos investidores costumam ser menores, uma espécie de prêmio concedido ao país diante do compromisso com as pautas sustentáveis.
O arcabouço de emissões sustentáveis brasileiras foi elaborado pelo Comitê de Finanças Soberanas Sustentáveis e representa uma espécie de carta de apresentação aos investidores.
Ao longo de 40 páginas, ele faz uma apresentação das políticas públicas brasileiras que se encaixam no escopo sustentável, detalha os tipos de títulos a serem ofertados pelo Brasil e traz as obrigações assumidas pelo Brasil na gestão dos recursos e na prestação de contas -que deverá contar com indicadores quantitativos e qualitativos.
O documento também lista os gastos que devem ser financiados com os recursos captados a partir da emissão, bem como a quais dos 17 ODS (Objetivos de Desenvolvimento Sustentável) estão relacionados.
Os ODS fazem parte da Agenda 2030, um plano de ação global apoiado pela ONU (Organização das Nações Unidas) e do qual o Brasil é signatário.
As ações ambientais listadas pelo governo como vitrine para atrair os recursos de investidores estão divididas em nove categorias e incluem despesas com prevenção e controle de poluição e emissão de gases de efeito estufa, fomento a iniciativas ligadas a transporte limpo, energia renovável, eficiência energética e preservação e restauração de florestas, entre outras.
O arcabouço prevê vedação expressa ao uso dos recursos captados por esse tipo de emissão para financiar atividades ligadas à exploração de fontes de energia não renováveis, como petróleo, gás, carvão e seus derivados.
Na área social, o governo listou cinco categorias. As ações incluem Bolsa Família, BPC (Benefício de Prestação Continuada), distribuição de alimentos para famílias carentes e nas escolas, programas de capacitação para o emprego, acesso à habitação, além de políticas que busquem proteger e combater a discriminação contra mulheres, pessoas negras, comunidades tradicionais e minorias.
O governo selecionou as políticas de forma a contemplar as cinco agendas transversais elencadas no PPA (Plano Plurianual) 2024-2027: crianças e adolescentes, mulheres, igualdade racial, povos indígenas e ambiental.
Como o Ministério do Planejamento e Orçamento vai criar uma espécie de selo dentro do Orçamento para gastos que se enquadrem nessas agendas, isso deve facilitar o trabalho do Tesouro de prestar contas aos investidores.
Ao realizar as emissões, o governo assume o compromisso de dar transparência ao uso dos recursos (por meio do relatório de alocação) e aos resultados obtidos com a implementação das políticas (por meio do relatório de impacto).
“Precisamos comprovar a alocação orçamentária”, disse Ceron. Ele lembrou que a captação por meio dos títulos sustentáveis não é uma ponte financeira direta entre o investidor e a política financiada, mas o governo precisa atestar um gasto em montante equivalente ao que foi obtido por meio da emissão.
O governo tem até 24 meses a partir do lançamento dos títulos para comprovar a aplicação dos recursos. O primeiro relatório de impacto, por sua vez, deve ser divulgado em até 12 meses, com atualizações periódicas (possivelmente anuais).
A medição do impacto dos recursos será feita a partir de indicadores quantitativos e qualitativos. Alguns deles já estão listados no próprio arcabouço da emissão, como redução da emissão de gases de efeito estufa, aumento da reciclagem, número de ações de fiscalização ambiental, área reflorestada, número de famílias atendidas por programas sociais, taxa de atualização cadastral, entre outros.
A lista contempla mais de 110 indicadores, mas o Tesouro ainda pode agregar outros que julgue pertinentes para aprimorar o acompanhamento das políticas.
A partir do lançamento do arcabouço, o governo brasileiro fará na semana que vem uma rodada de apresentações (road show) para investidores em três cidades: Nova York, Boston e Londres.
Depois, os técnicos do Tesouro farão o monitoramento do mercado para detectar a melhor janela de oportunidade para a emissão dos títulos brasileiros no mercado internacional.
“Não podemos dar muitos detalhes, mas tem grande expectativa para a colocação brasileira. Deve ser a emissão mais aguardada no mundo, e tem inúmeros simbolismos”, disse Ceron. O secretário evita antecipar valores, por regras de mercado, mas afirma que se espera uma “demanda grande” pelos títulos brasileiros.
IDIANA TOMAZELLI / Folhapress