Torcida do Vasco luta por liberação de São Januário

RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) – O entorno do estádio de São Januário, zona norte do Rio de Janeiro, ficou lotado de torcedores do Vasco na noite domingo (3). Mas o estádio estava fechado. O time jogava em Salvador, contra o Bahia.

Torcedores se reuniram na Barreira do Vasco, favela vizinha ao estádio, e assistiram ao empate por 1 a 1, pelo Campeonato Brasileiro, em um evento que teve caráter de manifestação. O clube tenta reverter uma decisão da Justiça do Rio de Janeiro, após ação civil da Promotoria do estado, que impede a presença de torcida nos jogos em São Januário.

Procurados pela reportagem, o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro e a Promotoria não responderam.

A ideia do evento era mostrar que os torcedores podem frequentar a região em segurança. A movimentação foi arquitetada por torcidas organizadas em parceria com comerciantes da região. O clube estima que mais de 10 mil pessoas tenham comparecido.

“Foi uma festa linda, todos reunidos para mostrar a grande injustiça que está sendo feita com São Januário”, afirmou a analista de comunicação Renata Vieira, torcedora do Vasco que esteve no evento.

A interdição de São Januário ocorreu no dia 22 de junho, após derrota por 1 a 0 do Vasco para o Goiás. Brigas dentro do estádio e confrontos de torcedores com a Polícia Militar nas ruas do entorno fizeram com que a Promotoria do Rio de Janeiro entrasse como uma ação civil pública pedindo que o local não recebe mais público. Em paralelo, o STJD (Superior Tribunal de Justiça Desportiva) puniu o Vasco com quatro jogos sem torcida, além de multa.

A punição do SJTD já foi cumprida, mas a Justiça do Rio de Janeiro deferiu liminar em primeira instância interditando totalmente o estádio. O Vasco chegou a recorrer e conseguiu que São Januário fosse liberado para jogos, mas ainda sem público.

A desembargadora Renata Machado Cotta, da 2ª Câmara de Direito Privado, manteve a interdição em decisão na última semana, “enquanto não restar provado” que o clube “implementou medidas de segurança eficazes para prevenção e contenção de tumultos e badernas”, escreveu a desembargadora, em trecho do documento.

Na decisão, a desembargadora afirma ainda que “torcedores mal-intencionados” ingressaram na partida entre Vasco e Goiás “com bombas, rojões e sinalizadores, vindo a atirá-los no gramado”, e que “o cenário calamitoso de intenso tumulto e baderna” se estende aos arredores, “o que implica na exposição a risco de pessoas que [nem] sequer tinham ingressado” no estádio.

“O Vasco entende que São Januário tem todas as licenças exigidas para sediar jogos. A gente não nega que houve problema naquele jogo, mas isso não justifica o impedimento de a torcida frequentar. O Vasco tomou todas as medidas, mas o clube não tem poder de polícia, e não cabia ao Vasco impedir que a confusão acontecesse”, afirmou Marcelo Pedrosa de Andrade Figueira, advogado do Vasco.

O clube aguardava a publicação de um acórdão na terça-feira (5) para recorrer ao STJ (Superior Tribunal de Justiça). E planeja a assinatura de um TAC (Termo de Ajustamento de Conduta) no Ministério Público, comprometendo-se a cuidar da segurança dos torcedores.

“Estamos analisando uma série de medidas. Vamos resolver em breve”, disse Andrade.

Torcedores do Vasco dizem que há preconceito na decisão da Justiça do Rio de Janeiro.

“A Barreira é fundamental para o Vasco, e de uns anos para cá a torcida começou a levar a favela para a arquibancada, cantando o nome da Barreira. Quando esse sentimento é atacado, o torcedor defende com unhas e dentes”, afirmu Luiz Gustavo Alves, historiador e diretor da torcida Guerreiros do Almirante.

Nas redes sociais, viralizou em junho um parecer do juiz de plantão do Juizado Especial do Torcedor e Grandes Eventos.

Após a confusão na partida entre Vasco e Goiás, o juiz Marcelo Rubioli escreveu que o estádio “é cercado pela comunidade Barreira do Vasco, onde se ouvem comumente estampidos de disparos de armas de fogo oriundos do tráfico de drogas lá instalado”, e que a região tem “ruas estreitas, sem área de escape, que ficam sempre lotadas de torcedores se embriagando antes de entrar no estádio”.

“O Vasco é irmão mais velho da Barreira e das comunidades Tuiuti e Arará”, afirmou Horacio Junior, vice-presidente de história e responsabilidade social do Vasco.

Segundo Horacio, na década de 1920, o terreno onde hoje está São Januário era a chácara da família do barão de Pereira Bastos, dona da cervejaria Imperial. Ao lado do terreno, havia um antigo casarão onde um pedregulho que já não existe mais teria inspirado o apelido de Gigante da Colina. O casarão deu lugar à Barreira do Vasco.

“São Januário é uma resposta ao preconceito social imposto na época. Os rivais tratavam o Vasco, já campeão de 1923, como um clube menor por não ter uma arena esportiva. Os vascaínos na época construíram o que maior estádio da América do Sul até 1930, quando inauguraram o Centenário, no Uruguai, para a Copa do Mundo”, recordou Horacio.

A interdição da Justiça gerou movimentos do Executivo. A Secretaria Municipal de Trabalho e Renda divulgou um estudo, compartilhado nas redes pelo prefeito Eduardo Paes (PSD), que aponta queda de 60% na receita mensal dos estabelecimentos após a proibição dos jogos. A pesquisa foi feita por meio de entrevistas e preenchimento de formulário eletrônico.

No documento, a pasta afirma ainda que 250 vendedores credenciados atuam dentro de São Januário em dias de jogos, e outros 300 vendedores informais trabalham na parte externa.

“São Januário é reconhecido como patrimônio histórico do município desde 2021. Lá, foi assinado por Vargas o decreto que criou o salário mínimo. Há um elo histórico entre o estádio e os trabalhadores”, afirmou Everton Gomes, secretário municipal de Trabalho e Renda do Rio.

A Associação de Moradores da Barreira do Vasco afirma que cerca de 18 mil pessoas foram afetadas, direta ou indiretamente, com a proibição dos jogos.

YURI EIRAS / Folhapress

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